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A História da Pide

مشخصات کتاب

A História da Pide

ویرایش:  
نویسندگان:   
سری:  
ISBN (شابک) : 9789727599561 
ناشر: Círculo de Leitores 
سال نشر: 2007 
تعداد صفحات: 479 
زبان: Portuguese 
فرمت فایل : PDF (درصورت درخواست کاربر به PDF، EPUB یا AZW3 تبدیل می شود) 
حجم فایل: 3 مگابایت 

قیمت کتاب (تومان) : 38,000



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توجه داشته باشید کتاب تاریخچه پیده نسخه زبان اصلی می باشد و کتاب ترجمه شده به فارسی نمی باشد. وبسایت اینترنشنال لایبرری ارائه دهنده کتاب های زبان اصلی می باشد و هیچ گونه کتاب ترجمه شده یا نوشته شده به فارسی را ارائه نمی دهد.


توضیحاتی در مورد کتاب تاریخچه پیده

اثری مهم در تاریخ اخیر ما، که ما را به سیاه چال های PIDE، به پیچ و خم های قدرت سیاسی، به تاریک ترین سمت دیکتاتوری می برد. پلیس بین‌المللی دفاع دولتی (PIDE) که در سال 1945 توسط پلیس نظارت و دفاع دولتی (PVDE، 1933-1945) ایجاد شد و جانشین آن، اداره امنیت عمومی (DGS) که در سال 1969 تأسیس شد، پلیس سیاسی حکومت‌های دیکتاتوری را تشکیل می‌داد. رژیمی که تا سال 1974 در پرتغال حاکم بود. PIDE/DGS از یک سو در خدمت ترساندن و به این طریق، جلوگیری از مخالفت عمومی با رژیم و از سوی دیگر، نابودی همه مخالفان سازمان یافته علیه استادو نوو بود. این اثر تجزیه و تحلیل می کند که چگونه پلیس سیاسی همه کسانی را که هر گونه اختلاف اجتماعی، سیاسی و حتی مذهبی را افشا می کردند، سرکوب کرد. ساختار آن چگونه بود و روش های آن چه بود. چه تعداد و چه کسانی زندانی سیاسی بودند. زندگی در زندان های PIDE/DGS و قضاوت سیاسی در دادگاه های عمومی چگونه بود. روابط بین پلیس سیاسی و دستگاه قضایی سیاسی چگونه بود؟ و سرانجام، چگونگی سقوط DGS را در 25 آوریل 1974 شرح می دهد.


توضیحاتی درمورد کتاب به خارجی

Um importante trabalho sobre a nossa história mais recente, a levar-nos aos calabouços da PIDE, aos meandros do poder político, ao lado mais negro da ditadura. A Polícia Internacional de Defesa do Estado (PIDE), criada em 1945, a partir da Polícia de Vigilância e Defesa do Estado (PVDE, 1933-1945), e a sua sucessora, Direção Geral de Segurança (DGS), instituída em 1969, constituíram a polícia política do regime ditatorial que vigorou em Portugal até 1974. A PIDE/DGS serviu, por um lado, para intimidar e, deste modo, prevenir a contestação pública ao regime e, por outro lado, para destruir toda a oposição organizada contra o Estado Novo. Na presente obra analisa-se a forma como a polícia política reprimiu todos aqueles que revelavam qualquer dissidência social, política e até religiosa; como se estruturava e quais eram os seus método; quantos e quem foram os detidos políticos; como era a vida nas prisões da PIDE/DGS e o julgamento político nos tribunais plenários; quais eram as relações entre a polícia política e o aparelho judicial político; e, por fim, descreve a forma como a DGS soçobrou no dia 25 de abril de 1974.



فهرست مطالب

IX.3.1. As crises estudantis de 1962 e 1969
A partir da campanha eleitoral de Humberto Delgado de 1958, surgiu uma nova geração, que influenciaria a chamada «crise estudantil de 1962», na qual se envolveram, pela primeira vez de uma forma mais alargada, muitos jovens. Em Lisboa, tudo começou quando dirigentes estudantis reunidos na Associação Académica do ISCEF decidiram, em 3 de Fevereiro de 1962, a criação provisória do Secretariado Nacional dos Estudantes Portugueses e a realização, em Março, do I Encontro Nacional de Estudantes, para debater problemas sociais e pedagógicos. As comemorações do Dia do Estudante, que deveriam ocorrer entre 23 e 25 de Março, foram proibidas e, a 24, a polícia de choque invadiu a Cidade Universitária de Lisboa (Nota 2).
	X.1.1. As funcionárias do PCP
	Como se viu, as funcionárias, detidas nas casas clandestinas, em princípio não ficavam presas, nem eram por vezes julgadas, caso fossem casadas com os companheiros, dado que se considerava que elas os tinham acompanhado, em função da sua obrigação de esposa, tal como era regulamentada no Código Civil. As que não eram casadas com os «companheiros» eram automaticamente consideradas funcionárias e apanhavam pena maior.
	Mas nem sempre as coisas se passavam assim, porque a própria PIDE se apercebia de que também as «esposas» eram frequentemente mulheres politizadas que utilizavam essa argumentação para serem libertadas. Por outro lado, a PIDE fez constar que, se fossem apanhadas nas casas ilegais com filhos menores, não ficariam detidas, pois estavam a cuidar dos filhos delas e dos seus maridos. No entanto, aconteceu frequentemente o contrário e muitas permaneceram detidas com os filhos pequenos (Nota 1).
	O facto de a maioria das funcionárias se limitar no dia-a-dia aos trabalhos domésticos dentro da casa clandestina e à vigilância destas, e o de viverem completamente isoladas da luta que os homens travavam, fez com que Cândida Ventura, a primeira mulher a pertencer ao CC, propusesse em 1947 ao Secretariado a publicação de um jornal clandestino expressamente dirigida a essas «companheiras». Este começou por se chamar 3 Páginas e mais tarde passou a ser feito pelas próprias funcionárias, com o nome de a Voz das Camaradas das Casas do Partido (Nota 2).
	Ao interrogar mulheres presas, a PIDE tentou sempre saber qual o seu pseudónimo, para depois verificar se tinham escrito artigos nas publicações 3 Páginas e Voz das Camaradas das Casas do Partido. No caso afirmativo, isso provava automaticamente que elas eram militantes e funcionárias do PCP e não simples acompanhantes dos maridos. Por outro lado, o facto de o exemplo de Maria Machado ser constantemente convocado nesses jornais de modo a moldar o comportamento das funcionárias deu à PIDE uma caracterização das mesmas.
	Também um artigo de «Maria Iber», no 3 Páginas, explicando que tinha aderido ao PCP para prestar homenagem ao seu pai, «falecido em consequência de espancamentos de que foi vítima nas prisões salazaristas», deve ter dado indicações à PIDE sobre a sua verdadeira identidade (Nota 3). Depois, «Maria Iber» deu algumas indicações sobre ela, ao dizer que não era camponesa de profissão, mas nascera e vivera num meio camponês, onde tinha visto a fome nos campos, além de afirmar que tinha encontrado no PCP o seu companheiro, do qual tinha uma filha (Nota 4).
	Nas suas memórias, Fernando Gouveia dá a entender que pensa saber a identidade desta última, ao afirmar ter ficado impressionado com o seu estilo literário diferenciado (Nota 5). Segundo Ana Barradas, «Maria Iber» era, porém, o pseudónimo de Catarina Rafael, camponesa algarvia, mulher de Joaquim Rafael (Nota 6), o que indicaria que Gouveia se terá enganado na identificação dessa funcionária. No entanto, parece que «Maria Iber» saiu do corpo de funcionárias, o que não terá acontecido com Catarina Rafael, que nele permaneceu até 1974.
	Muitos dos artigos davam indicações sobre o comportamento das funcionárias face à repressão (Nota 7). No primeiro número de A Voz das Camaradas..., de Janeiro de 1956, surgiu uma pequena polémica sobre o comportamento das mulheres do PCP perante a polícia e o tribunal.
	Por seu lado, «Cecília» advogou «mais habilidade perante o inimigo», considerando correcto revelar intransigência e altivez, embora sem arrogância, para não dar «lugar às provocações». No número de Dezembro de 1957, «Lídia» considerou injusto que «Cecília» criticasse uma camarada que se deixasse «cair em esquerdismos e arrogâncias». Nesse momento, também estava em debate no jornal se este devia ou não ser alargado a camaradas não funcionárias.
	A Voz das Camaradas... deixou de ser publicado no final da década de 50, mas muitas funcionárias pediram, em 1960, que o jornal surgisse de novo (Nota 1). Após voltar a surgir, a voz... incluiu no seu número de Novembro de 1960 um artigo de «Daniela» a alertar contra as «falsas amabilidades» que a PIDE usava, principalmente com as mulheres. Rebatendo um artigo anteriormente publicado, da autoria de «Teresa», «Daniela» defendeu que as funcionárias deveriam sempre negar que eram comunistas, para não serem condenadas a «prisão perpétua».
	X.1.2. A questão das relações sexuais e conjugais
	Num estudo sobre a clandestinidade, Pacheco Pereira relatou que, «com as quedas das casas clandestinas, os «casais» dissolviam-se muitas vezes, inclusive porque era comum a polícia não prender ou libertar rapidamente a “companheira”». Os conflitos assim gerados eram «muitas vezes violentos, sendo sempre explorados pela polícia, que conseguia algumas confissões de presos que até então não faziam declarações». Pacheco Pereira contou que a «tensão da vida clandestina, o isolamento da família, as dificuldades materiais, a falta de privacidade, conflitos dentro de casa ou de carácter político, o cansaço e a apatia crescente» levavam «a uma usura acentuada, na qual a própria circunstância da prisão pode[ia] ser sentida como um alívio» (Nota 2).
	A PIDE nunca deixou de aproveitar as potenciais contradições surgidas entre os «companheiros» de vida clandestina. O «problema das relações afectivas entre militantes na clandestinidade constituía aliás, frequentemente, um factor de crítica ou mesmo de atrito entre os funcionários e a direcção do PCP»; por exemplo, Fernanda Paiva Tomás foi obrigada a separar-se de Joaquim Carreira, seu companheiro e pai do seu filho, e pediu para o ver quando ambos estavam clandestinos, protestando contra o facto de a direcção do PCP não lhe facultar os encontros (Nota 3).
	Numa nota de 7 de Fevereiro de 1950 publicada na imprensa, a PIDE afirmou que dos arquivos apreendidos aos funcionários do PCP sobressaíam relatórios «repugnantes» onde estes se autocriticavam das suas actuações e descreviam «as várias provas de ordem moral» a que eram periodicamente submetidos. Bastante «elucidativo» foi como a PIDE considerou o exemplo de um «membro substituto» do CC que, por ter manifestado velada relutância relativamente ao facto de a sua «companheira» o ser simultaneamente de outro «camarada», se viu alcunhado de «burguês» (Nota 4).
	X.1.3. A endogamia do corpo de funcionários
	A PIDE, e especialmente Fernando Gouveia, também conheciam bem a endogamia do corpo de funcionários do PCP e o facto de, em alguns casos estes fazerem parte de verdadeiras «dinastias» (Nota 2) familiares. Adelaide Dias Coelho Aboim Inglês, irmã de José Dias Coelho, era casada com Carlos Aboim Inglês; Aida Magro era casada com José Magro, irmão de Helena Magro, por seu turno mulher de Pires Jorge; Arminda dos Santos Soares, irmã de Pedro Soares, era casada com Humberto Lopes (Nota 3). Entre outras «dinastias» familiares do PCP contaram-se as constituídas por Rui Perdigão, a mãe, o irmão e a mulher, todos pertencentes ao PCP, ou pelos irmãos Armanda, José Augusto e Júlio Silva Martins, os irmãos Casanova, do Couço, bem como Augusto e Maria Luísa Costa Dias, mulher de Pedro Soares.
	Havia também grupos de irmãs, todas funcionárias do PCP: Sofia Dias Coelho e Maria da Piedade Morgadinho; Fernanda e Cecília Ferreira Alves e Mercedes, Georgette e Sofia Oliveira Ferreira, as quais chegaram a estar todas presas ao mesmo tempo, em 1949. Outro grupo de irmãs funcionárias foi aquele composto pelas irmãs Albertina, Adelina e Evelina Ferreira Diogo, companheiras, respectivamente, de Guilherme da Costa Carvalho, Ilídio Esteves e Augusto Lindolfo.
	Presa em 1962, Evelina contou à PIDE que, para não sobrecarregarem os pais, corticeiros pobres, ela e as irmãs tinham ido como criadas de servir para casas ilegais onde tinham sido consideradas «funcionárias» do PCP. Evelina vivera, primeiro, com o dirigente comunista José Carlos, em Setúbal, antes de se juntar com Augusto Lindolfo, do qual teve uma filha. Segundo o relatório da PIDE, por «razões ainda desconhecidas (crê-se que por incompatibilidade com o “companheiro”)» resolvera «pôr a claro toda a actividade por si desenvolvida». Por essa razão, fora «restituída à liberdade», ficando em poder da polícia elementos bastantes para se poder fazer «fogo para qualquer dos lados» (Nota 4). Evelina Ferreira seria, depois, expulsa do PCP (Nota 5).
	O inspector Gouveia contou ainda, nas suas memórias, que também encontrou na clandestinidade casos de mãe e de filha, ambas funcionárias, citando os de Aida e Luísa Paula e de Aurora da Piedade Diniz e Alice Parente Capela.
	X.1.4. A utilização das autocríticas pela PIDE
	Tal como toda a documentação apreendida nas casas clandestinas do PCP foi utilizada pela PIDE, também as autocríticas dos elementos desse partido representaram uma faca de dois gumes: servindo a disciplina interna do partido, foram utilizadas pela polícia como meio de informação sobre a vida política e privada dos comunistas. Um caso terrível, ocorrido em 1955, foi o que se passou com José Henriques Arandes («Raul») e a sua mulher Clementina Branco, irmã de Maria Branco, mulher do falecido Manuel Domingues. Após o assassinato deste, Maria Branco fora expulsa do PCP, que exigira a todos os militantes o corte de relações com ela, mas, como a irmã não tivesse cumprido essa ordem, Arandes fora obrigado a separar-se da mulher (Nota 2).
	Mais tarde, numa reunião com Guilherme da Costa Carvalho («Manuel») e António Dias Lourenço («António»), «Raul» autocriticou-se, nomeadamente por ter mostrado resistência inicial à sua funcionalização e ao corte de relações com Maria Branco e Manuel Domingues (Nota 3). Diga-se que o inspector da PIDE, provavelmente Fernando Gouveia, que analisou as três autocríticas de «Raul» incluiu no relatório dos autos deste último a frase manuscrita: «Ajustar-se a declarações que Arandes fez no auto em 26.» (Nota 4) Assim se vê que a PIDE introduzia nos autos, como se fossem extractos de afirmações ditas pelos presos, dados que na realidade eram apurados na documentação apreendida a membros do PCP.
	Outros casos de autocríticas repetidas, abundantemente utilizadas pela PIDE, foram as de Júlio Fogaça, («Ramiro»), Cândida Ventura («André») e José Lopes Baptista («Montes»), estes relacionados também com o caso João Rodrigues («José Pedro»). Júlio Fogaça teve de fazer cinco autocríticas, a primeira das quais em 1945, depois de ser amnistiado e ter voltado do Tarrafal, acusado pela direcção de Lisboa de ter participado na «política de transição». Mesmo assim, Fogaça ingressou mais tarde no Secretariado, ficando responsável pela direcção do Norte do país, ao qual estava subordinado, entre 1951 e 1954, o organismo composto por João Rodrigues («José Pedro»), outro membro do CC que também tinha estado no Tarrafal, igualmente acusado de defender a «política de transição» e obrigado a fazer uma autocrítica.
	Mais tarde, João Rodrigues foi expulso, acusado de trabalho «fraccional», juntamente com «André» e «Montes», que também foram obrigados a fazer autocríticas, através das quais a PIDE ficou a saber muito sobre o PCP.
	X.1.5. O ambiente de desconfiança na clandestinidade
	No arquivo de Júlio Fogaça, apreendido em 1961, a PIDE encontrou um documento de Junho de 1946, da autoria de «Januário» (Joaquim Justino Alves). Lembre-se que este último estava, em 1945, com José Augusto da Silva Martins na tipografia clandestina de Barqueiro/Alvaiázere e tinham ambos conseguido fugir graças a Maria Machado, então presa. Mais tarde, ao interrogar José da Silva Martins, em 1950, Gouveia soube que, dali, os dois tinham fugido a pé até Vila Nova de Ourém e haviam contactado o responsável do CC pelas tipografias, Manuel Domingues («Luís»). Por ordem deste, ficaram a viver na mesma casa clandestina, juntamente com Casimira Martins, nas proximidades de Colares.
	Ora, no referido documento apreendido pela PIDE, «Januário» pedia ao Secretariado para não continuar nessa casa clandestina com o casal de funcionários «Alves» e «Fernanda», que, segundo ele, faziam «panelinha», num ambiente paranóico e de desigualdade. No final desta terrível carta, reveladora do ambiente em circuito fechado da clandestinidade, «Januário» avisava que, se o seu caso não fosse resolvido, ele próprio se retiraria do quadro de funcionários. Este cumpriu o prometido, pois no mesmo arquivo de Júlio Fogaça a PIDE encontrou um relatório da autoria de «Alves» a pedir ao Secretariado para «tratar da questão Januário», que tinha desaparecido após dizer que ia ao barbeiro. Gouveia apurou que, devido ao repentino desaparecimento do «funcionário» tipógrafo, o casal composto por Silva Martins e Casimira se mudara imediatamente para os arredores da Lousã, onde continuara a laborar a «tipo» (Nota 2).
	A PIDE, e em particular Gouveia não deixou de explorar essas rivalidades e inimizades geradas pela dura vida clandestina, utilizando-as nos interrogatórios, segundo o mote de «dividir para reinar»: por exemplo, aos funcionários dizia que os do CC tinham uma boa vida, a estes que os membros do Secretariado viviam no luxo, e assim sucessivamente. Noutro documento, de Setembro de 1947, apreendido anos depois e dirigido ao CC por «Cruz» — António do Couto e Castro — são visíveis as tremendas dificuldades da vida de funcionário clandestino do PCP, as quais geravam muitos conflitos entre estes e os seus controleiros. «Cruz» criticou particularmente o seu controleiro, «Artur», e a companheira deste, por terem sido autorizados pelo CC a comprar uma bacia de zinco, enquanto ele próprio tinha sido disso impedido por outro funcionário (Nota 3).
	Nota 1 - Ibidem, pr. dir. 827/60 Div. Inv., Cândida Ventura e Orlando Lindim Ramos; cf. também pr. cr. 844/60, Júlio Fogaça, fls. 202 e 228-252.
	X.2.1. Os casos Aurélia Celorico e Manuel Vital (1950)
	O certo é que o início dos anos 50 parece ter sido o de quase «todas» as execuções. O primeiro caso foi o crime da Maia, noticiado em 26 de Junho de 1950 pelo Jornal de Notícias, que deu conta do aparecimento de uma mulher morta a tiro, em São Gemil, Águas Santas, identificada como Aurélia Celorico, de Vila Franca de Xira, casada com Luís Moreira do Vale («Martins»). Nas suas memórias, Fernando Gouveia contou ter ligado imediatamente essa morte à transferência de uma tipografia do PCP em Gaia, concluindo que Aurélia tinha sido punida, a mando do Secretariado desse partido, por querer regressar à legalidade (Nota 1). Seja como for, Luís Moreira do Vale, funcionário clandestino do PCP desde 1944, que continuou a monte, foi constituído arguido pela PJ do Porto, que o acusou de homicídio voluntário na pessoa da sua mulher, Aurélia de Assunção Celorico («Regina»), mas nunca conseguiu resolver o caso (Nota 2).
	Em 19 de Novembro de 1950, o Diário de Lisboa noticiou que tinha sido encontrado na véspera, no sítio de Pereiro, o cadáver de um homem com buracos de dois tiros na cabeça, um no coração e outro numa das mãos. No dia seguinte, O Século identificou o morto como Manuel Lopes Vital. Em 2 de Dezembro, o chefe de brigada Reis Teixeira comunicou à directoria da PIDE que Joaquina Freitas Vital, de Alpiarça, havia recebido, antes do assassinato do seu marido, Manuel Lopes Vital («Teixeira»), uma carta com queixas à forma como a direcção do PCP tinha procedido a seu respeito.
	Nota 1 - Fernando Gouveia, Memórias de Um Inspector da PIDE, pp. 325-329; PIDE/DGS, pr. 462 E/GT, Aurélia da Assunção Celorico.
	X.2.2. O caso Manuel Domingues (1951)
	O caso Manuel Domingues iniciou-se, para a PJ, com uma carta anónima enviada para o Torel, de 10 de Maio de 1951, a identificar um morto encontrado seis dias antes num pinhal em Belas, que figurava numa foto publicado no jornal O Século, como sendo Manuel das Almoinhas, da Marinha Grande. Na PJ, o investigador constituído para o caso foi o inspector Gastão de Lorena de Sèves, que seguiu, inicialmente, a pista falsa de quatro ladrões de fazenda, em Figueiró dos Vinhos, vistos numa taberna antes do crime.
	Dado que o crime foi considerado político, a PJ remeteu cópias dos autos de perguntas à PIDE, a fim de que esta usasse das suas faculdades e dos meios de que dispunha no combate ao PCP. Como a PIDE a avisasse de que o PCP tinha noticiado, em Abril de 1952, a expulsão de Manuel Domingues e da mulher, Maria Branco, a PJ interrogou esta última e deteve-a. Esta recusou, porém, responder ao interrogatório, justificando a sua atitude de silêncio com o compromisso que fizera com «Luís» e apenas disse que não tinha ido à morgue ver o cadáver deste, pois estava convicta de que ele tinha sido morto pela PIDE.
	Sem provas, a PJ considerou que Maria Branco podia ser solta sob caução, mas manteve-a presa, alegando que era encobridora e até cúmplice do crime. O problema da caução foi aliás tema de um opúsculo (Nota 1) de Manuel João da Palma Carlos, apreendido pela polícia, onde este advogado de Maria Branco se queixou de que a PJ estava a agir no exclusivo interesse da PIDE, prosseguindo assim «objectivos políticos».
	Em virtude de haver «fortes indícios de que o crime de homicídio de que foi vítima Manuel Domingues» fora «determinado por motivos políticos, relacionados com a segurança do Estado», a PJ propôs, em 5 de Janeiro de 1953, a remessa da cópia dos autos à PIDE e a entrega de Maria Branco a esta polícia (Nota 2). No relatório final da PJ, de 14 de Fevereiro de 1958, o agente Martinez aventou, porém, a hipótese de o crime ter sido cometido num encontro entre Manuel Domingues e Manuel Guedes e Pires Jorge, os quais seriam os autores do homicídio, com o conhecimento de todo o Secretariado desse partido (Nota 3).
	O caso Manuel Domingues foi o mais emblemático de todos os que foram atribuídos ao PCP, até porque, embora sem nunca reconhecer ter tido responsabilidade no assassinato, este partido veio mais tarde a reconhecer o erro da denúncia pública da suposta traição deste.
	Nota 1 - Intitulado «História de uma caução de cem contos que a PJ fixou... com a condição de que não fosse prestada...».
	Nota 2 - INPCC, Museu e Arquivos Históricos da Polícia Judiciária, Arquivo Histórico Documental, pr. 14379/761 e pr. 7123, ano de 1951, cópia do processo da PJ, subdirectoria de Lisboa, fl. 79-80; ofício da PJ 5-1753.
	Nota 3 - PIDE/DGS, pr. 7123/51, Manuel Domingues e Maria Branco CT PIC/II/09/01, vol. 1, fls. 22, 32, 34, 45 e 127; vol. 2, fls. 290 e 307; pr. 233 GT, Maria Branco, fls. 22-23 e 25-45; pr. Dir. 67/53, Maria Branco.
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	X.2.3. O caso José Miguel («o Lambanas») (1961)
	Dez anos depois do caso Manuel Domingues, foi encontrado morto a tiro, em Julho de 1961, no lugar de Vale das Flores/Almada, um indivíduo de nome José Miguel («o Lambanas»), natural de Aldeia Nova de São Bento, então a trabalhar como servente de pedreiro na construção civil. Ao ser ouvida no comando da GNR, a mulher de José Miguel, Francisca Serejo, natural de Vale de Vargo, declarou que ela e o marido haviam sido presos em Fevereiro pela PIDE de Setúbal e que, ao serem libertados, o marido lhe manifestara o desejo de abandonar o PCP (Nota 2).
	A PIDE havia tido, de facto, em 28 de Fevereiro de 1961, uma grande vitória ao prender José Miguel, «o Lambanas», membro suplente do CC, que usava os pseudónimos de «Inácio» e «Roque» (Nota 3). Os autos de perguntas da PIDE, onde constam as abundantes declarações de José Miguel, têm a data de 26 de Abril e ele foi solto, com o processo ainda em curso, dois dias depois, ou seja, dois meses após a sua detenção, enquanto a mulher havia sido libertada dez dias depois de ser presa (Nota 4). Após a libertação, ambos tinham ido viver para casa de cunhados, em Vale de Figueira, que também haviam sido irradiados do PCP devido ao facto de José Miguel e a mulher terem «falado abertamente para os funcionários da PIDE, o que lhes teria evitado serem julgados, passando a receber favores da dita corporação».
	Dado que o caso era da competência da PJ, a investigação foi entregue ao então chefe de brigada Carlos da Silva Martinez, que, dez anos antes, tinha investigado o caso Manuel Domingues.
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	X.3.1. «Se fores preso, camarada...» (1947)
	Mas o verdadeiro ponto de mudança foi a publicação nesse ano do documento, depois sucessivamente alterado e reeditado ao longo dos anos, que iria moldar durante anos a «moral» dos comunistas na cadeia e chegou mesmo a influenciar outros elementos da oposição não comunista. Tratou-se do folheto «Se fores preso, camarada...», da autoria de Álvaro Cunhal, redigido após este ter analisado diversos processos políticos resultantes das prisões de 1945, facultados pelo advogado Manuel João da Palma Carlos.
	No início do texto, Cunhal esclarecia que o primeiro passo do interrogatório era um momento crucial, pois era então que a polícia tentava «ficar com o preso na mão» (Nota 1). Depois, o texto traçava a linha de separação entre os que não «falavam», aos quais era devida «a consideração e a estima», e os que «traíam», que perdiam a honra e o seu lugar no PCP e aos quais estava reservado o «desprezo» e o isolamento total (Nota 2).
	Relativamente à tortura da estátua, Cunhal realçou o carácter humilhante da sua aceitação, pois implicava de certa maneira a colaboração do preso. Mais tarde, numa circular de Dezembro de 1949, o Secretariado do CC consideraria «degradante para os comunistas submeterem-se a esta exigência da polícia», tornando obrigatória aos elementos do CC a recusa da «estátua». Num documento a relatar a sua prisão, em 1951, Alcino Ferreira («Pedro») assinalaria, porém, que não havia ideias claras no PCP acerca da «estátua», «a começar nos seus aspectos aparentes — estar de pé, sentado ou à vontade — e a acabar no que ela verdadeiramente era — uma tentativa de esgotamento do indivíduo pela perda de sono» (Nota 3).
	Contra algumas opiniões no seio do partido, segundo as quais se espalhava o terror entre os militantes ao narrar as violências das torturas, Cunhal considerava, pelo contrário, que era útil preveni-los do que os esperava. Cunhal alertou também para a táctica policial de utilizar, à vez, o «Pide bom», que alternava com o «Pide mau», frequentemente usada, com sucesso, com as mulheres: «Rodeiam-nas de “atenções”» — exemplificou Cunhal, ao relatar que, por vezes, «a polícia leva a sua “amabilidade” ao ponto de autorizar visitas de famílias aos incomunicáveis ou facilitar-lhes melhor alimentação, tudo isto com vistas a obter declarações».
	A preocupação com o comportamento das mulheres na prisão, evidenciada no texto de 1947 de Álvaro Cunhal, ficou também exposta no órgão para as funcionárias clandestinas do PCP, 3 Páginas. Num artigo desse mesmo ano assinado por «Rosária» afirmava-se que «o inimigo tem duas máscaras: a fera e o bondoso» e que se «a presa vacilasse, esta estaria a dar uma vitória à polícia» (Nota 4). Veja-se que, nesse período, não se falava de torturas e violências físicas infligidas pela PIDE às presas.
	X.3.2. Os «desastres» de 1949
	Em O Militante de Agosto de 1949 retirava-se a lição dos «desastres» que levaram à prisão do próprio Álvaro Cunhal, de Militão Ribeiro e Sofia Ferreira e de funcionários do aparelho tipográfico do PCP. O Secretariado considerou que essas capturas se deviam ao excesso de trabalho dos dirigentes detidos, bem como a deficiências no trabalho conspirativo na defesa dos quadros e do aparelho técnico. Numa reunião do CC, José Gregório refutou a explicação, segundo a qual apenas «iniciativas e acções de elementos fascistas locais» teriam estado na origem das prisões no Luso, consideradas como «um dos maiores reveses experimentados em toda a sua história» pelo PCP (Nota 1).
	Revelaram-se então duas correntes no que se referia ao tipo de instalações. Uma delas, encabeçada por Pires Jorge e Júlio Fogaça, defendia a ideia de que as novas instalações dos elementos do Secretariado e do CC deviam ser montadas numa base absolutamente legal, devendo o PCP criar condições financeiras para poder alugar casas com quintas, mantidas por camponeses de confiança. Em vez da instalação das casas ilegais em locais ermos, como até então, foi defendida a sua localização em meios grandes e centros populosos, mas a ideia não foi avante por razões financeiras. Por outro lado, o Secretariado aconselhou os membros da direcção a apresentarem-se bem vestidos, a não abusarem do recurso de bicicletas e a deslocarem-se à noite, de automóvel (Nota 2).
	X.3.3. Críticas a «Se fores preso...»
	O certo é que, provavelmente devido aos «desastres» desse ano, que atingiram o Secretariado, o folheto «Se fores preso...» foi então reeditado. No início dos anos 50, a versão de 1949 de «Se fores preso...» foi debatida no interior do PCP e, nomeadamente, criticada num documento assinado por «P.» («Paredes», Francisco Miguel, segundo Pacheco Pereira) (Nota 3) intitulado «Observações sobre o folheto “Se fores preso camarada...”» (Nota 4). O crítico afirmava que o folheto «Se fores preso...» fazia «concessões à traição e tolerância para com a fraqueza», por fazer «apelo ao brio, à honradez e ao espírito de abnegação», em vez de dizer que cada comunista «tem obrigação de se recusar terminantemente a fazer qualquer outra declaração».
	Em Maio de 1951, o documento «Observações...» foi, por seu turno, considerado demasiado radical e dogmático por «F.» — provavelmente Octávio Pato («Frazão»)5. «F.» considerava que não era justo «definir antecipadamente para todos» o que se devia ou não declarar à polícia». Considerava, por outro lado, que se devia «conjugar as duas faces da questão: evitar medo e pânico e preparar para os sacrifícios e sofrimento».
	X.3.4. O que o PCP sabia sobre a PIDE
	No arquivo de Pires Jorge («Gomes»), a PIDE encontrou um relatório de Julho de 1951, da autoria de Alcino Sousa Ferreira («Pedro»), revelador do que o PCP sabia então sobre esse aparelho repressivo. No capítulo «Organização policial», dava-se conta de que a luta directa contra o PCP era conduzida pelo Serviço de Investigação da PIDE, chefiado pelo inspector Raul Porto Duarte e, particularmente, em Lisboa, pela «brigada do Gouveia», que estava, por seu turno, ligada à brigada exterior de José Gonçalves (Lisboa e arredores).
	Sabia-se ainda que a PIDE estava a renovar os seus quadros, com base em sargentos e oficiais milicianos, para, respectivamente, agentes e cargos de direcção. Esses homens eram caracterizados como querendo «acima de tudo um “tacho”» e de nem serem «fascistas». Quanto ao pessoal mais antigo, era constituído por aventureiros sem moral, que sabiam «estar queimados e, por isso, dispostos a tudo». Dizia ainda o relatório que, entre as diversas classes, existia «uma disciplina caserneira» e uma «subserviência miserável» e que a polícia estava a utilizar o «roulement» entre os quadros, de forma a dar a todo o pessoal a experiência dos diversos serviços, além de os «unir e queimar igualmente». O relatório descrevia depois os principais quadros da PIDE que lutavam contra o PCP.
	A PIDE também sabia que estava «sob vigilância» do PCP. Por exemplo, numa ocasião o subinspector Gouveia e o chefe de brigada Casaca Velez analisaram documentos apreendidos a um funcionário onde encontraram um pequeno bloco com uma relação dactilografada de automóveis dessa polícia, bem como de informadores e elementos da PIDE de Lisboa e Porto, organizadas por ordem alfabética (Nota 2). Essas listas eram distribuídas a todos os funcionários do PCP, «com o fim destes tomarem todas as precauções ao assinalarem qualquer viatura ali indicada, nas proximidades».
	Nota 1 - Arquivo do Tribunal da Boa Hora no IAN/TT, pr. 15935/57, 3.° Juízo Criminal, autos de instrução preparatória, Aida Magro («Lídia» ou «Eva»), vol. 9, fl. 585.
	X.3.5. O aumento da repressão em 1959 e um documento incómodo
	O facto de muitos dirigentes e militantes do PCP se terem evidenciado na campanha eleitoral para a Presidência da República de 1958 levou a inúmeras prisões no ano seguinte, atribuídas num documento de Pedro Soares («Moreno») à análise optimista do panorama nacional e respectiva «subestima do perigo fascista» (Nota 2). Ao analisar os «últimos golpes», logo em Janeiro de 1959, o CC emitiu um comunicado onde se referia o suplício da «gota de água» infligido a Rogério de Carvalho, bem como o enlouquecimento do mineiro do Lousal, Manuel da Égua, obrigado a fazer «estátua» (Nota 3). Além disso, numa linguagem apocalíptica, o comunicado dava conta das deformações físicas irreversíveis do trabalhador de Montemor, António Farrica, após torturas, e os espancamentos no ventre infligidos a Adélia Terruta, nos últimos dias da sua gravidez. O certo é que o CC optara então por dar uma imagem negra e violenta da repressão contra os comunistas, mas também sobre outros «portugueses honrados» (Nota 4).
	As prisões de 1959 levaram também à reedição, ainda nesse ano, pela terceira vez, da brochura «Se fores preso, camarada...», em parte alterada. Embora mantivesse o mesmo índice da versão de dez anos antes, tinha o acrescento de mais dois capítulos. Entre as alterações, contava-se a eliminação da palavra «herói», que havia sido alvo de discussão no seio da direcção do PCP: o título «O prémio dos heróis» (1947) passou, na versão de 1959, a «O prémio dos verdadeiros comunistas». Na versão de 1959, foi dado maior ênfase à posição de «só fala quem quer», considerando-se que, se «a resistência física» podia ter limites, a «resistência moral» não podia ser vencida, a não ser que o preso quisesse.
	Enquadrado na luta «contra o desvio de direita» do PCP, provavelmente da autoria de «Melo», um documento de 9 de Fevereiro de 1960 repetia que, desde o congresso de 1946, nunca tinha sido tão elevada a percentagem de funcionários a trair. Numa parte muito interessante do documento, o autor criticava, depois, a forma exagerada como o Avante! referia os «métodos cruéis da PIDE». Entre as «notícias exageradas e falsas e afirmações politicamente incorrectas», «Melo» citava, entre outras, a (falsa) notícia do assassínio de António Farrica, de Montemor-o-Novo, e a do espancamento no ventre de Adélia Terruta, quando a própria tinha relatado que nunca lhe tinham batido.
	Nota 1 - Arquivo do Tribunal da Boa Hora no IAN/TT, pr. 92/82, caixa 703, 2.° Juízo, Octávio Pato e Albina Fernandes, fl. 623.
	X.3.6. O documento da FAP e o último documento do PCP
	Em 1965 já não era, porém, apenas o PCP que organizava a sua defesa contra a PIDE, mas também os elementos organizados na FAP/CMLP, dirigida por Francisco Martins Rodrigues, Rui d’Espiney e João Pulido Valente. Em Outubro de 1965, essa organização apresentou o texto «Reforcemos a combatividade dos comunistas e de todos os anti-fascistas frente à PIDE», onde o PCP era criticado por colocar o problema sob o «ângulo da honradez e lealdade», ao utilizar conceitos — inferno, paraíso e purgatório — de «um catecismo» de tipo católico, em vez de considerar o comportamento perante o inimigo como uma manifestação superior da luta de classes entre o proletariado e a burguesia (Nota 2).
	Como se viu, antes, durante e após a «correcção do desvio de direita», o PCP teve sempre a tendência a explicar os desastres repressivos com o excesso de actividade de ligação dos quadros e funcionários, no decorrer das lutas sociais e políticas. Foi assim durante o «terramoto delgadista» de 1958, ou no ano das importantes lutas estudantis e de assalariados rurais do Sul, em 1962. Era como se o PCP tivesse deixado de se encarar como um instrumento da luta política, para considerar o partido como um fim em si próprio. Essa crítica foi aliás feita ao PCP pelas organizações de extrema-esquerda, que, como se viu, surgiram com uma nova forma de actuação em que até os dirigentes políticos participavam no activismo político de base.
	Talvez por isso, o PCP resolvesse editar, em 1972, uma nova versão do folheto «Se fores preso...», dando-lhe um novo título — «Não falar na polícia dever revolucionário» —, não só para acompanhar os novos tempos, em que esse partido já não era o único que estava no terreno, como também para seguir a evolução das novas técnicas da DGS.
	Nota 1 - Ibidem, pr. 16827/62, 3.° Juízo Criminal de Lisboa, João Honrado, Augusto Lindolfo e Evelina Ferreira, fl. 711.
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XI. A INFORMAÇÃO E OS INFORMADORES
Procurar-se-á, nesta quarta parte, analisar os métodos utilizados pela PIDE/DGS nas várias fases do processo repressivo até ao julgamento: a informação, a vigilância, a captura, a investigação e a instrução do processo. Lembre-se que, nos últimos anos, a DGS era composta por quatro direcções de serviços: a Direcção de Serviços de Informação (DSI), que incluía os arquivos e geria os informadores; a Direcção de Serviços de Investigação e Contencioso (DSIC), que incluía os investigadores; a Direcção de Serviços de Estrangeiros e Fronteiras (DSEF) e a Direcção dos Serviços Administrativos (DSA) (Nota 1).
A PIDE/DGS era, assim, constituída por dois grandes sectores: o da informação, onde se incluíam a escuta telefónica, a intercepção postal, os ficheiros, a vigilância directa e os informadores, e o de investigação, que se ocupava dos interrogatórios e da instrução dos processos. Embora esses dois sectores estivessem interligados, não deixou, porém, de haver, ao longo dos anos, uma rivalidade entre eles, como se pode ver, aliás, através das afirmações de alguns importantes elementos dessa polícia. Por exemplo, o ex-inspector Fernando Gouveia afirmou que a PIDE/DGS «não possuía um serviço de Informação à altura das organizações clandestinas comunistas e o pouco que se fazia para as combater devia-se ao trabalho de investigação e ao aproveitamento de toda a documentação apreendida». Lembre-se que ele próprio tinha pertencido ao Serviço de Investigação (Nota 2).
Tal como Fernando Gouveia, o ex-inspector António Rosa Casaco, num provável ajuste de contas com os seus ex-colegas da polícia, afirmou que esta tratava informação em «cima do joelho», que os seus membros eram «amadores» e muitos dos seus dirigentes «ineptos». Acrescentando que a informação era, «por razões evidentes, uma questão vital em qualquer serviço de Intelligence», queixou-se de que «nesta área a PIDE enfermava de grandes e graves deficiências». Quanto aos Serviços de Investigação, Rosa Casaco não deixou de confirmar que a PIDE/DGS actuava «de uma forma mais ou menos severa nos interrogatórios» e que o «mais elementar» era «o chamado interrogatório contínuo».
	XI.3.1. Candidatos a informadores
	Ao longo dos anos, várias pessoas tentaram ser informadores da PIDE/ /DGS, que, porém, nem sempre aceitou essas «candidaturas». Em Fevereiro de 1960, um «ex-padre de 72 anos, que abandonou por falta de vocação o sacerdócio», declarou, junto do Ministério do Interior, estar «disposto a cooperar com a PIDE», mas não foi aceite devido à avançada idade e ao pouco interesse que representava (Nota 5). Outro sacerdote, de Barcelos, que queria, ao mesmo tempo, servir Deus e a Pátria, também não foi aceite por ter «temperamento arrebatado» (Nota 6).
	XI.3.2. A PIDE/DGS e os informadores
	O ex-inspector Óscar Cardoso, que ingressou na PIDE/DGS nos anos 60, qualificou a denúncia como um «flagelo» imprescindível a qualquer serviço de informação (Nota 1). Da mesma forma, o ex-inspector Fernando Gouveia afirmou, num livro de memórias, que era «uma hipocrisia» negar a sua utilidade, qualquer que fosse a opinião sobre a moralidade dos informadores. Esclareceu que, no tempo da PVDE, «o recrutamento de informadores possuía um carácter mais ocasional do que regular», sobretudo devido à «incapacidade da polícia política para manter secreta a identidade destes “colaboradores de ocasião”», que «queimados», acabaram por ser incorporados na polícia política «para salvar as suas vidas».
	No entanto, essa integração só era viável, segundo Gouveia, para aqueles que haviam anteriormente actuado «no meio revolucionário (revilharista)», dado que «não deixavam por isso de ser portugueses», quando «se “viravam”, podia admitir-se que o fizessem por uma questão de reconhecimento da obra nacional que se desenvolvia». Essa atitude era impossível no caso dos comunistas, pois a «doença» deixava «sempre algum vírus latente» e a sua «falta de patriotismo, por a ideologia ser de origem soviética», impedia a sua transformação de elemento «queimado» em agente da polícia. A utilização de «colaboradores de ocasião» na organização comunista revelava-se, além disso, pouco eficaz, devido ao «secretismo e ao conhecimento restrito que esse elemento teria do “sector”» (Nota 2).
	Segundo Álvaro Pereira de Carvalho, ex-director dos Serviços de Informação da PIDE/DGS, entendia-se como informador «todo o indivíduo ligado ou com acesso a qualquer sector de actividade política “identificando-se” por um pseudónimo e que como pagamento do seu trabalho recebia um ordenado mensal contra recibo», o qual ficava consignado na designação genérica de «serviços prestados». Havia ainda os chamados «colaboradores eventuais: os indivíduos que tendo conhecimento de qualquer facto ou actuação política julgados suspeitos entendiam ser sua obrigação ou interesse comunicá-los à PIDE», cujas informações podiam ser remuneradas se, depois de estudadas, provassem ter interesse.
	Alguns agentes da PIDE/DGS fingiram ter informadores para receber o dinheiro destinado aos «bufos», outros ficavam com parte da quantia que servia para o seu pagamento e alguns «colaboradores» inventavam informações para justificar as quantias recebidas. Por exemplo, um indivíduo que esteve preso em Caxias, após 1974, revelou que um dos informadores, de pseudónimo «Bruxelas», lhe confidenciara ter passado facturas por serviços prestados à polícia política, sem nunca ter recebido dinheiro (Nota 3). Veja-se ainda o caso de «José Liberato», informador do chefe de brigada Farinha dos Santos, que, em 1948, escreveu ao Ministério do Interior, a queixar-se de que este último se tinha «abotoado» com o dinheiro que lhe era devido. O assunto foi remetido para a PIDE, que decidiu acreditar em Farinha dos Santos e considerar o informador de «má índole» e estar «queimado» (Nota 4).
	Nota 1 - Nuno Vasco e Óscar Cardoso, A bem da Nação, p. 88; Bruno de Oliveira Santos, Histórias Secretas da PIDE/DGS, p. 47.
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	XI.3.3. Informadores «especializados»
	Embora houvesse informadores infiltrados nos meios «situacionistas», os seus principais alvos foram, compreensivelmente, os oposicionistas do regime. Havia, por exemplo «Figueiredo», «Porto», «Cristóvão», «Barbosa» e, sobretudo, «Teixeira», que frequentava os cafés Brasileira e Primus, do Porto, e foi apoiante da candidatura de Norton de Matos, em 1949 (Nota 1). Os mais diversos meios políticos e sociais portugueses tinham informadores da PIDE no seu seio. Um deles era «Inácio», provavelmente da Universidade de Coimbra, que, no ano de 1949, denunciou uma conversa ouvida entre Orlando de Carvalho, membro do CADC, e Francisco Salgado Zenha. Em 1954, delatou as actividades de monárquicos, dando conta da realização de reuniões da Causa Monárquica (CM), na Figueira da Foz (Nota 2).
	Diga-se, aliás, que, tal como os católicos, os monárquicos também tinham os seus «bufos especializados», tendo sido um deles o que se intitulava «Causa», provavelmente infiltrado na CM. Por seu turno, o informador, com o pseudónimo «S» reportava, tal como «Causa», sobre a CM, bem como sobre o Instituto António Sardinha, os Antigos Combatentes Monárquicos, os Círculos Tradicionalistas Portugueses e os Combatentes do Norte (Nota 3). «S» transmitiu também à PIDE uma informação sobre Fernando Amado, proprietário do jornal Cidade Nova e assinalou, em 1965, que ele era membro do conselho executivo do MMI (Nota 4). Amado foi ainda alvo de denúncia do informador «Meca», por pertencer ao CNC, em 1952, e do informador «Causa», que o referenciou, em 1957, como um dos organizadores do Teatro Realista (Nota 5).
	No final da década de 50, vários apoiantes monárquicos da candidatura de Humberto Delgado foram denunciados pelos informadores «Maurício Andrade» e «Gouveia» (Nota 6). Em Agosto de 1962, o informador «AAA» denunciou a existência de uma célula da CM no Centro de Cultura Popular, no CNC e em torno do jornal O Debate, dirigida por monárquicos hostis ao Estado Novo (Nota 7). Outro denunciante de filiados da CM foi o jornalista Manuel Falcão Machado, que, com o pseudónimo de «Josué», chegou a informar a polícia sobre colaboradores do jornal Expansão, do qual ele próprio era proprietário (Nota 8).
	Nota 1 - PIDE/DGS, pr. 1263 SR, delegação do Porto, vol. 1; ibidem, pr. 1986 SR, Bernardino Machado de Sousa Vaz, fl. 29.
	Nota 2 - Ibidem, pr. 735 E/GT, Orlando Alves Pereira de Carvalho, fls. 99, 108, 123, 126, 137, 149, 159, 163, 165, 167, 175 e 176; pr. 4090 CI (1), Orlando Alves Pereira de Carvalho, fls. 38, 88 e 90.
	XI.3.4. Os informadores nos anos 50
	Também os ministérios receberam, ao longo dos anos, inúmeras informações de «colaboradores». Ao Ministério do Interior, um anónimo escreveu, em 1950, que não era delator por «covardia», mas por «conveniência», aproveitando, desde logo, para prestar informações sobre um caso de desordem, provocada por... agentes da PIDE (Nota 6). No mesmo ano, nova carta anónima, de um «nacionalista» — talvez do mesmo anteriormente referido —, denunciou irregularidades da PIDE, entre as quais a libertação de um indivíduo preso no Porto. Em carta ao ministro do Interior, Barbieri Cardoso esclareceu que esse indivíduo havia sido solto devido a ter prestado colaboração à polícia na descoberta da organização comunista em Ponte de Lima e Viana do Castelo (Nota 7).
	Preocupado com a quantidade de denúncias anónimas que regularmente lhe chegavam, nomeadamente a criticar elementos do próprio regime, o ministro do Interior Trigo de Negreiros enviou em 1951, como se viu, à PIDE uma circular a queixar-se da «utilização da calúnia como arma política» (Nota 8).
	Nota 1 - PIDE/DGS, pr. 121 CI (1), fls. 3, 13, 14, 33, 35, 38, 53, 55, 62, 97, 104, 119, 122, 126, 129, 143, 144, 159, 160, 183, 187, 189-198, 202-205, 213, 215, 225, 227, 233-235, 237 e 241.
	Nota 2 - Ibidem, pr. 4922 CI (1), Francisco Pereira de Moura, fls. 21, 43-45, 52, 63, 186, 200- -202, 287, 290, 325 e 327-328.
	Nota 3 - Ibidem, pr. 138 CI (1), António Alçada Baptista, fls. 1, 8, 13, 22, 46, 48, 68, 141, 178, 194, 196, 205, 250, 271, 294, 327, 329, 332 e 343.
	Nota 4 - Ibidem, pr. 3823 CI (2), Nuno Teotónio Pereira e Maria Natália Duarte Silva Teotónio Pereira, fls. 32 e 53.
	Nota 5 - «Lida a sentença do julgamento de António Domingues. Apenas mais dez meses de prisão para o “pide” que matou Dias Coelho», in Diário de Notícias, 6/1/1977, p. 7.
	Diga-se que os factos denunciados nem sempre mereciam o crédito da polícia. Relativamente a uma denúncia de um indivíduo enviada à PIDE em 23 de Fevereiro de 1953, esta polícia concluiu que o denunciante dava sinais de alienação mental. Merecedor de crédito foi, porém, também nesse ano, um criado de café de Coimbra que tinha «muitas vezes, sem qualquer interesse monetário», auxiliado essa polícia «com informes de natureza vária» (Nota 1).
	No mesmo ano, em Lisboa, uma informadora com o nome de código «D-43», provavelmente Delfina Teixeira Azevedo, chefe da secção de embalagens de um laboratório farmacêutico, compareceu na sede da PIDE, onde foi interrogada na presença do inspector Manuel Silva Clara acerca da razão por que se tinha inscrito nas associações femininas AFPP e CNMP. Afirmou ter sido convidada a fazê-lo em casa de Lígia Lourenço, onde encontrara Aida Magro, Helena Magro e Maria da Encarnação Couceiro. Ao saber que Encarnação e Lígia suspeitariam da curiosidade de Delfina de Azevedo, o chefe de brigada Miguel Cardoso aconselhou-a a «suspender a averiguação em causa», pois estava «queimada» (Nota 2).
	Em 20 de Janeiro de 1954, o comandante adjunto Trigo de Sousa, da polícia internacional de Moçambique, escreveu ao director da PIDE a informar que um indivíduo (nome expurgado) que vivia nessa colónia se tinha prontificado «a esclarecer, sob sigilo», as actividades comunistas do professor José Henrique Arandes. Tratava-se de António Carlos da Maia, que, em Fevereiro, escreveu a Salazar apresentando-lhe o seu currículo: ex-marxista, tinha-se demarcado dessa ideologia, passando a prestar serviço à PIDE através do inspector Roquete.
	Ao regressar à metrópole, fora procurado a mando do inspector Ferry Gomes, e havia feito «um relatório completo que entregou à PIDE sobre militantes comunistas nas colónias e na índia». Embora esclarecesse que não queria «nada em troca, pois não esta[va] à venda», foi dizendo que estava desempregado e que havia um lugar de dispenseiro na Marinha. Mais tarde, em 5 de Junho, um chefe de brigada da PIDE declarou ter conversado com António Maia, na sede em Lisboa, sobre a possibilidade de este continuar a dar informações sobre as actividades comunistas em Moçambique, mas que ele nada havia dado de «palpável» (Nota 3).
	XI.3.5. Informadores de «reviralhistas»
	No final da década de 50, a oposição republicana e o meio reviralhista eram vigiados por «Maurício de Andrade», próximo do Directório Democrático Social e do Partido Republicano Português (Nota 4). Em Março de 1957, outro informador do Porto, frequentador do café Excelsior, onde diariamente se reuniam vários oposicionistas, deu conta ao agente José Roque que se mantinha no seu posto de «observação e audição» (Nota 5).
	XI.3.6. Informadores da campanha presidencial de 1958
	As eleições presidenciais de 1958 vieram colocar em primeiro plano a própria existência da PIDE, conforme afirmou Iva Delgado, segundo a qual os «informadores passaram a ser farejados» e a sociedade descobriu-se então delatora, «num universo concentracionário sufocante em que metade do país vigia a outra metade» (Nota 7). Em 14 de Maio desse ano, «Nunes da Silva» relatou à polícia uma conversa entre Humberto Delgado e José de Barahona, em que o general teria dito só ter «um caminho a seguir, renunciar ou ir para a revolução» (Nota 8).
		XI.3.9. Informadores no seio do meio operário e no PCP
		Infiltrar o PCP e os meios operários foi evidentemente um dos principais objectivos da PIDE/DGS, especialmente a partir de 1958, ano do «terramoto delgadista». Por exemplo, na Companhias Reunidas de Gás e Electricidade (CRGE), a PIDE tinha um informador muito bem colocado, integrado na célula do PCP, que denunciou operários grevistas, bem como empregados que recolhiam dinheiro para os presos políticos. No ano seguinte, o agente Tito Levy Pires disfarçou-se de operário da Sorefame, embora o disfarce não tivesse tido muito sucesso, dado que o próprio assinalou que constara entre os trabalhadores a presença de um elemento da PIDE na empresa, no dia 1 de Maio.
		Na Sorefame havia um informador, chamado «José Amado», que, no ano seguinte, denunciou à polícia três elementos do PCP nessa empresa, bem como uma concentração de cerca de 70 «esquerdistas» projectada para 22 de Março de 1958. na
		XI.3.11. Informadores do meio liceal e estudantil (anos 60
		A delegação de Coimbra da PIDE/DGS teve ao seu serviço diversos informadores que seguiram as assembleias magnas de estudantes e denunciaram os estudantes grevistas, os membros mais activos da AAC ou os professores apoiantes da luta estudantil. Em 1969, a PIDE/DGS tinha, nomeadamente, um informador que conversava regularmente com o dirigente estudantil Alberto Martins. Outro, ou o mesmo informador escreveu várias vezes ao «senhor Sérgio» (subinspector Sérgio Avelino Pereira), da delegação de Coimbra, informando-o sobre o ambiente académico (Nota 3).
		No IST, de onde a PIDE recebeu do informador «Indústria» (Nota 4) relatórios sobre as actividades da respectiva AE, desde 1964, outro dos «bufos» era «Esteves». Estudante do IST era ainda «América» (Hélio Lopes), que prestava informações sobre professores e alunos ao agente António Inácio, em troca de 750$00 mensais (Nota 5). No Instituto Superior de Educação Física actuava o informador António Mário Henrique da Silva («Brazza», por ser natural do Congo Brazzaville), que denunciou, nomeadamente, elementos do grupo Estar na Luta da sua escola, em troca de 500$00 e, depois, 750$00 mensais (Nota 6).
		Na Faculdade de Ciências de Lisboa (FCL), um dos informadores era «Reis», através do qual a DGS soube que, durante a agitação estudantil de 1971, ele próprio tinha colaborado com os colegas na distribuição de panfletos para obter uma «aparência estudantil». Noutra ocasião, «Reis» deu conta de ter apurado, «de uma fonte de informação estudantil», que o principal orientador do movimento estudantil em Ciências era Pedro Ferraz de Abreu, denunciando ainda os principais elementos da AE da FCL, «Melro», o «polícia» da associação, «Orlando», vice-presidente da Assembleia Geral, e o estudante brasileiro Pedro Paulo.
		XI.3.12. Informadores detectados após 25 de Abril de 1974
		Depois da revolução de Abril de 1974, muitos informadores foram detidos e houve mesmo o caso de Deolinda Pessoa, que se dirigiu ao então MAI a solicitar «o pagamento de serviços prestados à extinta DGS» pelo marido.
		Nota 1 - PIDE/DGS, pr. 3529/63 SR, Estudantes, pasta 208, Faculdade de Ciências de Lisboa, 1970/71, fls. 1, 22, 33, 42, 59, 65, 78, 98, 196, 124, 134 e 244; cf. ainda pr. 312/71.
		Nota 2 - Ibidem, pr. 4767 CI (1) SC, Alberto Bernardes Costa, fls. 153, 156, 158, 170, 175, 182, 194, 208, 217 e 219.
		Nota 3 - Ibidem, pr. 3529/62 SR, pasta 212, Instituto Superior de Ciências Económicas e Financeiras (ISCEF), 1968/69, fls. 48, 51, 92, 129, 134, 140, 142, 191, 254, 296, 333, 345, 352, 357 e 360; ibidem, pr. 5667 Cl (1), Horácio Faustino, Cordovil, João Isidro, Horácio, António Manso, Jofre Justino, Quim Zé, Gavião, Emanuel, Coelho e Pratas.
		Nota 4 - Ibidem, pr. 3529/62 SR, pasta 92, Liceu D. Pedro V; ibidem, pr. 958 Cl (1), Maria Eugénia Varela Gomes, fl. 30.
		XII. 1.1. Intercepção postal e escuta telefónica
		A PIDE/DGS manteve outras formas de vigilância, entre as quais se contaram a intercepção postal e a escuta telefónica. Os CTT terão chegado a manter, durante certo tempo, um grupo de funcionários («catadores» ou «farejadores»), que colaboravam com a PIDE na violação da correspondência. De acordo com listas de moradas de suspeitos fornecidas pela polícia, os carteiros eram obrigados a separar correspondência e a entregá-la aos serviços de fiscalização dos CTT, que depois a remetia à PIDE. O dirigente do PCP Rogério de Carvalho afirmou que a intercepção postal — «operação cegonha» — estava montada com conhecimento a nível ministerial (Nota 2).
		Segundo ele, a PIDE requisitava aos CTT a «correspondência de todos os locatários de um prédio (para desviar as suspeitas) e escolhia a que mais lhe interessava ou, numa fase posterior, detectava, por métodos sofisticados, as cartas ou encomendas dirigidas às pessoas sobre as quais recaíam suspeitas nas próprias estações de correio» (nota 3). A correspondência suspeita era aberta, lida, fotocopiada e colocada novamente no envelope, que, depois de fechado, era devolvido ao circuito de distribuição dos CTT. Isto quando não era pura e simplesmente interceptado o original, que o destinatário nunca recebia. Quanto aos métodos de abertura da correspondência, eram, em parte empiricamente aprendidos e em parte transmitidos no curso da CIA de 1957 (Nota 4).
		Nota 1 - Ibidem, pr. 480 GT, Maria Eugénia Varela Gomes, fls. 173 e 180; pr. 958 Cl (1), Maria Eugénia Varela Gomes, vol. 1, fls. 38, 48, 60-62, 77, 83, 147, 151, 171, 183-186 e 201- -203; vol. 2, fls. 7, 15, 19, 23-24, 26, 33, 40 e 43-50.
		Mais tarde, devido a queixas sobre desvios de dinheiro de emigrantes e de correspondência diversa, os «catadores» foram afastados, passando a PIDE a assegurar directamente esse «serviço, na Estação Central dos Correios, no Terreiro do Paço, onde trabalhavam agentes chefiados por João Nobre, homem de confiança de Rosa Casaco (Nota 1). O próprio Casaco contou, nas suas memórias, que o controlo de correspondência era feito na Praça do Comércio e na estação de Arroios, em Lisboa, através de quatro agentes que faziam a triagem das cartas, depois analisadas na sede por um inspector superior. Reconheceu, aliás, que este «método de trabalho, em rigor inconstitucional, se processava, à boa maneira portuguesa, «em cima do joelho» (Nota 2).
		Segundo contou o ex-elemento da DGS Silvestre dos Reis Soares, a polícia dava muito importância à «correspondência do Sector intelectual», resultando frequentemente da intercepção postal, vigilâncias e prisões (Nota 3). O ex-agente de 1ª classe Miguel Caimoto afirmou, por seu lado, que, nos últimos anos da DGS, era o ex-inspector Sílvio Mortágua que tinha a seu cargo a violação das cartas dos CTT, aonde as ia buscar o agente Orlando Couto Meneses (Nota 4 ). É um facto que a PIDE solicitava aos CTT para reter a correspondência dirigida a determinadas pessoas, como se pode ver através de um pedido daquela polícia aos Correios, de 1 de Abril de 1948, para interceptar as cartas dirigidas ao pintor Júlio Pomar.
		Outro ofício da PIDE, de l4 de Agosto de 1951, enviado ao director da Administração Geral daquela empresa, solicitou «a fineza de mandar suster a remessa a esta directoria das correspondências dirigidas» a Francisco Lyon de Castro (Nota 5). Em 26 de Fevereiro de 1953, a PIDE pediu ao chefe de estação dos CTT de Coimbra que se dignasse «conceder ao portador, agente de l.a classe», as «facilidades possíveis para o desempenho da missão de que vai incumbido, referente à Casa dos Estudantes do Império».
		Houve por vezes dificuldades com os CTT. Por exemplo, nesse ano, José Barreto Sacchetti, chefe da delegação da PIDE de Coimbra, queixou-se à directoria de ter solicitado «ao chefe interino da circunscrição de exploração da Beira Litoral» dos CTT a autorização para interceptar determinada correspondência, mas haver recebido um despacho do correio-mor a lembrar que «de futuro conviria que essas requisições fossem assinadas» pelo director da polícia política (Nota 6). A nível interno da PIDE também houve por vezes problemas, como mostra uma carta de um inspector-adjunto da PIDE aos serviços de censura dos SR a comunicar que a correspondência dirigida à morada de Fernando Piteira Santos lhe fosse directamente entregue (Nota 7).
		A prática de intercepção postal, em Portugal, chegou mesmo a ser criticada, em 1958, pela União Postal Universal, com sede em Berna, após esta ter recebido uma mensagem de protesto do Comité dos Intelectuais e Artistas Portugueses Pró-Liberdade de Expressão contra a severa censura postal de cartas, jornais, telegramas e chamadas telefónicas exercida pelo «governo ditatorial de Salazar» (Nota 1).
		Seria fastidioso enumerar as muitas intercepções postais que a PIDE/ /DGS fez até 1974 e, por isso, não são aqui referidos exemplos (Nota 2). Acrescente-se, todavia, que os Portugueses, regra geral, sabiam que a correspondência era interceptada e diziam-no frequentemente nas próprias cartas, de modo a que isso fosse lido pela PIDE (Nota 3).
		Segundo escreveu um professor da ETP na sua sebenta «Noções de Direito», o «sigilo da correspondência» devia «equiparar-se ao segredo das comunicações telefónicas», o qual só poderia «ser violado quando tal for estritamente indispensável à instrução do processo». Imagina-se a latitude do significado desse adjectivo «indispensável». Os oposicionistas políticos também se sabiam escutados pelo telefone, embora nem sempre o fossem, mas funcionavam como se isso estivesse sempre a acontecer. Nuno Vasco observou que «indivíduos com responsabilidades políticas não falavam normalmente das suas actividades pelo telefone mas “abriam-se”, por vezes escandalosamente, em assuntos da sua vida íntima» (Nota 4).
		Este autor disse ainda que a DGS dispunha de uma capacidade máxima de escuta simultânea de cinquenta e seis telefones, em Lisboa, e oito, no Porto. Fazendo parte dos Serviços de Informação, dirigidos por Álvaro Pereira de Carvalho, o principal equipamento de escuta da PIDE encontrava-se no quarto andar do edifício-sede da Rua António Maria Cardoso, em Lisboa, numa área estritamente reservada (Nota 5). Nos últimos anos da DGS, chefiada pelo subinspector Bernardino da Cunha Azevedo e a cargo de Mário César Ferreira, a escuta telefónica tinha oito canais, que permitiam vigiar cerca de oitenta telefones (Nota 6).
		Ao descrever como funcionava o sistema, João Vasco assinalou que «havia um certo número de telefones que podiam estar em escuta vinte e quatro horas por dia, sendo gravadas todas as conversações para e desse posto telefónico». Outros «eram escutados por uma questão de rotina, de tempos a tempos e por espaços de horas ou de dias». Na maioria dos casos, as conversas eram passadas a escrito e seguiam para o dossiê individual dos interlocutores. Posteriormente, em impressos próprios, os agentes «dissecavam a conversa, extraindo dela os elementos considerados necessários».
		Para além da escuta «normal», a PIDE/DGS fazia «cerca de onze horas diárias de busca telefónica, por sondagem, sendo semanalmente actualizado um ficheiro completo dos assinantes da zona de Lisboa, dispondo de dois índices (nomes e moradas)».
		O telefone de uma determinada pessoa era posto em escuta para a obtenção de quatro tipos de informações: de confirmação (ou não) dos motivos da escuta; de complementaridade relativamente aos motivos da escuta; de definição do perfil humano, social e psicológico do escutado; finalmente, de fornecimento de elementos para chantagem.
		Já se viu que os aparelhos de escuta telefónica foram adquiridos pela PIDE junto dos serviços secretos franceses, a SDECE, nos anos 60. O sistema Dial, francês, do qual a PIDE/DGS tinha 10 aparelhos, permitia contar os impulsos enviados pelo telefone sob escuta, quando era marcado o número de chamada, e este era, depois, automaticamente indicado numa fita de papel, o que possibilitava a identificação posterior do interlocutor de quem fizera a chamada. Com essa aparelhagem, a PIDE/DGS teria passado a poder ter cerca de quinhentos telefones sob vigilância, em Lisboa (Nota 1).
		O ex-inspector Óscar Cardoso disse, porém, que o equipamento mais recente de escuta ao serviço da DGS tinha sido adquirido junto da CIA, «dentro do espírito de cooperação de organizações congéneres». Óscar Cardoso afirmou também que alguns elementos do regime pediam, por razões pessoais, para que certos telefones fossem colocados sob escuta. Exemplificando, citou o caso de um oficial superior da GNR, o qual solicitara a Álvaro Pereira de Carvalho — e conseguira-o — que o seu próprio telefone fosse escutado, pois desconfiava da mulher. Óscar Cardoso negou, porém, que essa polícia tivesse escutado ministérios, o presidente do Conselho ou o presidente da República (Nota 2).
		No entanto, o facto, como já se viu, de a PIDE ter escutado telefonemas de Maria Cecília Supico Pinto, esposa de um membro do governo e dirigente do Movimento Nacional Feminino, confirma que essa polícia escutava efectivamente elementos do regime (Nota 3).
		XII.2.1. Golpes de sorte, ou nem tanto, da PIDE
		Em 12 de Junho de 1953, Carlos Costa, funcionário do PCP a viver clandestinamente no Algarve, foi, como se viu, preso pela GNR de Albufeira e entregue à PIDE. Mais tarde contou que, ao contrário de muitos outros casos, não foi detido por ter sido reconhecido, mas sim porque tinha havido naquela zona uma série de roubos (Nota 5). Factos desses, de «prisões por acaso» pela GNR, quando esta estava à procura de ladrões ou de contrabandistas ocorreram noutras ocasiões, como já se viu, por exemplo, no caso da detenção de Maria Machado e da apreensão da tipografia do Avante!, em 1945. Guilherme da Costa Carvalho foi detido no comboio, algures em Abrantes, depois de ser revistado pela GNR em virtude de uma passageira se ter queixado de que lhe haviam roubado a carteira, sendo-lhe então apanhada uma pasta com documentação e propaganda do PCP6.
		XII.3.1. A tortura na história
		A tortura judiciária tem uma longa história e já estava presente no Código de Hamurabi, ordenamento legal do século 18 a. C., adoptado na Babilónia.
		XII.3.2. O caso da guerra da Argélia
		No entanto, a tortura continuou a ser utilizada, até em países democráticos, como foi o caso da França, durante a guerra da Argélia (Nota 2). O historiador Pierre Vidal-Naquet foi, logo em 1937, um dos primeiros a denunciar a tortura perpetrada na Argélia (Nota 3), e recentemente, não por acaso, trinta anos após o final dessa guerra (1962), algumas historiadoras francesas têm estudado o tema.
		Sylvie Thénault analisou o papel da magistratura francesa na guerra da Argélia, mostrando como o desenvolvimento da chamada «assignation à résidence» — residência fixa — possibilitou a utilização progressiva da detenção, escapando ao controlo judiciário, em centros de triagem que se transformaram em centros de tortura. Ao revelar o grau de colaboração dos magistrados franceses com a justiça militar de excepção, bem como de aceitação da transferência dos poderes da polícia para o Exército, essa autora concluiu que, entre 1954 e 1962, a justiça francesa deixou de ser um poder independente em equilíbrio entre o poder estatal e o cidadão (Nota 4).
		Outra historiadora, Raphaëlle Branche, analisou a tortura praticada pelo Exército francês, no mesmo período, na Argélia, começando por alertar que, tal como nos arquivos da PIDE/DGS, nos arquivos militares de França o termo «tortura» foi substituído por eufemismos, tais como «interrogatório musculado, rigoroso ou sob constrangimento» (Nota 5). Os militares franceses justificaram o uso da tortura, descrevendo-a como uma violência controlada, necessária para a «obtenção de informações» na luta contra um terrorismo dirigido contra os inocentes. O mesmo argumento que Salazar utilizou, em 1932, ao defender que «meia dúzia de safanões a tempo» podiam salvar as mulheres e crianças dos terroristas.
		Entre as principais conclusões de R. Branche conta-se a de que, mais do que «fazer falar», a tortura «faz ouvir», imprimindo no corpo do supliciado a voz do poder. Da mesma forma, Paul Ricoeur afirmou que o aparelho torcionário não pretende «só fazer falar a vítima, mas fazer calar toda a oposição». No entanto, a utilização da tortura não era confessada pelas autoridades, pois transgredia o limite da força legítima que o Estado democrático podia reivindicar.
		Nota 1 - Antoine Garapon, «Que signifie maintenir l’ordre?, in Esprit, Dezembro de 1998, n.° 248, 121-133, pp. 123, 132 e 133.
		Nota 2 - Jean-Luc Einaudi, «De 1’Indochine à 1’Algérie», Devoir de Mémoire, Droit à 1’Oubli, dir. Thomas Ferenczi, Complexe, 2002.
		Nota 3 - Les Crimes de 1’Armée Française. Algérie 1954-62, dossier réuni par Pierre Vidal-Naquet, 1975, pp. 13, 21, 71-73 e 109.
		Nota 4 - Sylvie Thénault, Une Drôle de Justice. Les magistrats dans la guerre d’Algérie. préf. de Jean-Jacques Becker, postface de Pierre Vidal-Naquet, La Découverte («1’Espace de 1’Histoire), Paris, 2001, pp. 102-103, 133, 160-161 e 320.
		Nota 5 - Raphaëlle Branche, La Torture et L’Armée pendant la Guerre d’Algérie, 1954-62, Gallimard, 2001, p. 132.
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		XII.3.3. Os efeitos da tortura
		Muitas das ideias de Raphaëlle Branche baseiam-se num estudo psicológico sobre a tortura de Françoise Sironi, segundo a qual a tortura não se propõe apenas fazer «falar» mas fazer «calar», encerrando no mesmo silêncio tanto as vítimas como os carrascos. Os torcionários são agentes de um poder violento, utilizados para fabricar a submissão total e a paralisia dos que são governados, para «desvitalizar» e «desactivar» aqueles que o poder acusa de colocar em perigo a ordem estabelecida (Nota 2).
		A estratégia do torcionário é, segundo Sironi, a anulação da sua vítima enquanto ser humano, ao tornar-se dono da consciência desta e ao ser atingida directamente a singularidade e o carácter insubstituível dos indivíduos. Françoise Sironi comparou a tortura com os processos de aculturação, que reduzem a pessoa à sua parte universal, privando-a da sua singularidade e do seu sentimento de pertença a um grupo. Ao desarticular a ligação entre o singular e o colectivo, é a «parte colectiva» do indivíduo que a tortura pretende realmente atingir, fabricando seres humanos desapossados do que os diferencia.
		Para o torturado, como para o torturador, «confessar» é desvendar um segredo, é render-se à vontade omnipotente do torcionário, e, a partir daí, sofrer a atroz transparência da despersonalização, dado que o segredo e a opacidade íntima são fundamentos da identidade e modalidades de constituição dos grupos, que desenham uma linha de demarcação com os outros. Na tortura, a marca física inscreve-se na ruptura com o grupo de pertença e na transformação psíquica do torturado, do qual se tenta modificar o processo de pensamento, através da transgressão dos seus tabus e da sua desumanização. Em suma, a tortura esforça-se por isolar o «fragmento de alteridade», decompondo, através do traumatismo, o indivíduo em várias partes, numa experiência da qual nunca se recompõe. Os métodos de tortura utilizados são modelados pela vontade de inverter os valores do indivíduo, de modo a que o torcionário seja interiorizado por aquele e que a intencionalidade subjacente aos seus actos seja colocada no próprio torturado (Nota 3).
		Ao referir-se aos diversos métodos de tortura, Sironi dá especial relevo à dor, à privação sensorial e ao isolamento. Quanto à privação do sono e ao isolamento, habitualmente acompanhadas de má alimentação deliberada e de variações importantes de temperatura, acarretam, nos indivíduos que sofrem essas torturas, um sentimento permanente de ameaça sem objecto e uma vivência de despersonalização.
		XII.3.5. Provas de torturas da PIDE/DGS
		Embora não haja um único documento no arquivo da PIDE/DGS — pelo menos de que se tenha conhecimento — que prove a utilização de tortura, muitos dados revelam o seu uso.
		XII.3.6. Alguns dos principais torturadores da PIDE/DGS
		Para haver tortura é necessário haver torturadores. Françoise Sironi interessou-se pelo processo de fabricação do torcionário e, retomando uma célebre frase de Simone de Beauvoir aplicada às mulheres, assegurou que uma pessoa não nasce torcionária, embora se possa tornar torcionária. Considerou que para se fabricar um torcionário é necessária uma prévia aculturação e afastamento do grupo original, familiar, geracional e escolar, à qual se segue uma interiorização de uma nova cultura do grupo de pertença (dos torcionários) (Nota 2).
		Como qualquer outra força militar ou policial que utiliza a tortura, também a PIDE/DGS não era constituída, na sua maioria, por «degenerados», embora homens como Sílvio Mortágua, Casimiro Monteiro e Cunha Passo não se afastassem desse qualificativo. A PIDE era composta por indivíduos normais, que, fora da instituição, compartilhavam valores familiares e até, alguns, uma vida exemplar: por exemplo, Tinoco era um bom pai, Sá e Seixas, um marido terno para a sua mulher cega e Diogo Alves era bombeiro. Um dos elementos da PIDE confessou que, quando entrava ao serviço, mudava totalmente, esquecendo crenças, valores e amizades. A PIDE afrouxava, nos seus elementos, as resistências aos comportamentos anti-sociais, fornecendo-lhes uma lógica de justificação, lançando-os numa infrene competição uns com os outros e acabando por os compelir a comportamentos condenáveis (Nota 3).
		Diga-se que os torturadores da PIDE/DGS estavam em toda a corporação, tanto nos Serviços de Informação como nos de Investigação. Houve escriturários dessa polícia que fizeram «horas extraordinárias», tomando parte nos «turnos» da tortura do «sono» e da «estátua». Como em qualquer polícia, eram evidentemente os agentes e o pessoal mais baixo que se «molhava» no trabalho sujo da tortura. Os «investigadores» e os chefes dos serviços da PIDE/DGS apenas apareciam na sala de interrogatórios ao fim de um tempo, para recolher as confissões dos presos, extenuados por horas e horas de espancamentos, «estátua» e «sono». Por isso foi possível, por exemplo, a Sacchetti ou a Álvaro Pereira de Carvalho, negarem, após 25 de Abril de 1974, ter torturado qualquer preso. No entanto, o empregado bancário Fausto Correia Martins, preso em 1962 por alegada implicação no «golpe de Beja», contou ter estado na Rua António Maria Cardoso durante oito dias sem poder dormir e a ser espancado em interrogatórios dirigidos por Pereira de Carvalho (Nota 4).
		Nota 1 - Arquivo Histórico Militar, TMT de Lisboa, Adelino da Silva Tinoco proc. 66/77, vol. 6, fls. 227-229, 263 e 266-267.
		Nota 2 - Françoise Sironi, Bourreaux et Victimes. Psychologie de la Torture, pp. 129, 134, 137 e 143-45.
	XIII. AS MODALIDADES DE TORTURA DA PIDE/DGS
	Álvaro Cunhal contou que, da primeira vez em que foi preso, pela PVDE, nos anos 30, foi colocado, algemado, no meio de uma roda de agentes, que o espancaram a murro e pontapé, com cavalo-marinho e umas tábuas grossas. Depois, deixaram-no cair, descalçaram-lhe os sapatos e deram-lhe violentas pancadas nas plantas dos pés. Quando o levantaram, obrigaram-no a marchar sobre os pés feridos e inchados, ao mesmo tempo que voltaram a espancá-lo pelo primitivo processo. Isto repetiu-se por numerosas vezes, até que perdeu os sentidos (Nota 1). Era desta forma que a PVDE e, nos seus primeiros anos, a PIDE interrogava os detidos políticos, aos quais também submetia à «estátua». O inchaço dos pés, as dores por todo o corpo e o peso da cabeça como se fosse estoirar não tardavam. Quando o preso se deixava cair, os pontapés atingiam-no em todas as partes do corpo.
	Posteriormente, o método de eleição da PIDE/DGS foi a tortura do «sono», embora os espancamentos com matracas nunca tivessem sido abandonados, ao longo dos anos, especialmente nos casos dos presos mais indefesos socialmente ou contra os suspeitos de acção armada. Por exemplo, os presos do PCP, da FAP, ARA, LUAR e das BR foram vítimas da mais selvagem violência, tanto física como psicológica (Nota 2).
	Todos os presos sujeitos a torturas guardaram sequelas físicas, de ordem orgânica e psíquica, como foi afirmado, após 23 de Abril de 1974, pelos médicos Fragoso Mendes e Monteiro Baptista, que visitaram muitos detidos políticos (Nota 3). Ao analisar, após 1974, as consequências clínicas dos interrogatórios, através de uma amostra de cinquenta pessoas detidas por razões políticas entre 1966 e 1973, o psiquiatra Afonso de Albuquerque mencionou as seguintes causas de perturbações: o isolamento e a despersonalização (50 %); a privação de sono (96 %); os espancamentos (46 %); a «estátua» (38 %), os insultos e as chantagens (30 %), as variações de temperatura (8 %); os altifalantes com gravações (8 %) e os choques eléctricos (4 %) (Nota 4).
	No mesmo grupo, o psiquiatra observou as seguintes consequências imediatas da tortura: as alucinações e o delírio (76 %); as perdas do conhecimento (15 %); os edemas dos membros inferiores (10 %) e as tentativas de suicídio (6 %). Foram ainda observadas sequelas a médio e longo prazo: falhas de memória (16 %); depressão (16 %); insónias (8 %); psicoses esquizofrénicas (8 %) e ansiedade, cefaleias, gaguez e dificuldades sexuais, entre outras (30 %). Albuquerque acrescentou que, para a PIDE/DGS, fazer «falar» não era o mais importante, mas sim a destruição da personalidade do preso e a criação de um clima de terror em todo o país através do que contavam as pessoas mais próximas do detido.
	O mesmo psiquiatra relatou que, nos últimos anos do regime, os presos eram conduzidos à noite para um quarto onde havia junto ao tecto alto-falantes que transmitiam gravações, para fazer crer aos detidos que as suas mulheres ou filhas também estavam presas e seriam torturadas, bem como um poderoso aquecimento, que provocava extremas mudanças de temperatura. Um dos advogados de presos políticos, Macaísta Malheiros, afirmou que a droga começou a ser utilizada a partir de 1969, quando os presos «começaram a demonstrar sintomas de perturbações mentais em razão da administração, por via oral, de determinados tipos de drogas» e nove réus sobre dez apresentaram perturbações mentais depois da tortura (Nota 1). Em 1971, estudantes do IST, reunidos em Assembleia Geral, enviaram ao ministro do Interior um telegrama de protesto contra o facto de terem sido usados alucinogénios em colegas presos (Nota 2).
		XIII.2.1. Um inquérito sobre maus tratos na PIDE
		No início dos anos 50, a PIDE deteve diversos jovens por pertencerem ao MUD J, acusando-os de militarem no PCP. Um deles, preso em 14 de Outubro de 1952, contou ter sido interrogado pelo chefe de brigada João Lourenço, que fazia de «pide bom», enquanto o agente Varatojo fazia de «pide mau», esbofeteando-o com tal violência que ficou a expectorar sangue e deixou de ouvir do ouvido esquerdo (Nota 2).
		Também pertencente ao MUD J, Diniz Miranda foi novamente preso, em 1955, sendo espancado durante três dias e noites pelo inspector Porto Duarte e o agente Cristofaneti. Sofreu as maiores violências: torceram-lhe as orelhas, as pernas, os braços e os testículos; quebraram-lhe a estrutura óssea do nariz e deslocaram-lhe o corpo e o braço direito. No meio de uma roda de agentes, foi agarrado pelos cabelos, pelas orelhas, braços e pernas e levantado até à altura da cabeça deles para depois o deixarem cair no soalho (Nota 3).
		Em 1957, 72 advogados, entre os quais Abranches Ferrão, solicitaram um inquérito às mortes de dois presos e a maus tratos exercidos sobre outros, na delegação da PIDE do Porto. O ministro da Justiça designou então, para inquirir sobre essas acusações, o juiz António Alexandre Soares Tomé, da comarca de Vinhais, que ouviu presos, advogados de defesa e elementos da PIDE do Porto e de Coimbra. Entre os presos, testemunharam sobre as violências sofridas os jovens Fernando Miguel Bernardes, Artur Oliveira de Almeida, Diniz Miranda, Pedro Ramos de Almeida, José Augusto Seabra (Nota 4).
		Nota 1 - Ibidem, 8.“ C, pr. 106/55, fl. 69. Nesse processo foram referenciados maus tratos («estátua», «sono» e pancada) aos seguintes presos: Pedro Ramos de Almeida, Cecília Ramos de Almeida, Diniz Miranda, José Augusto Seabra, Albino da Silva, David Cunha, Artur de Almeida, Victor Alegria Lobo, Luís Fonseca Carvalho, Humberto Morais Lima, António Emílio, Raul Hestnes Ferreira, Rui de Oliveira, Luís Fidalgo, Fernando Miguel Bernardes, Júlio Rebelo, Joaquim Brito, Jorge Baptista, Francisco Delgado, João Carlos Teixeira Lopes, Alfredo Calheiros e Manuel Canijo.
		Num depoimento editado em 2004, pouco antes de falecer, este último contou a sua experiência prisional em Coimbra, às mãos do inspector Sacchetti, dos subinspectores Gomes da Silva e José Maria Leitão Bernardino, do chefe de brigada Potier e do agente Campos. Na delegação do Porto, os seus interrogatórios foram realizados pelos chefes de brigada António Pinto Soares e Hélder (Cordeiro Alves), bem como os agentes Matos, Aires, Puga, Moisés, Freitas, Roque, Borges, Trindade, Berlinga e António Fernandes (Nota 1). Interrogado sobre maus tratos, o chefe de brigada Pinto Soares afirmou que os interrogatórios, de noite, nunca ultrapassavam a uma hora da manhã e que todas as «senhoras eram interrogadas de dia», enquanto o inspector Diogo Alves, da mesma delegação do Porto, disse que os presos só ficavam de pé porque queriam (Nota 2).
		XIII.2.2. O recrudescimento das torturas após 1958
		No seu relatório de prisão, de 1958, Joaquim Carreira («Dias») contou ter sido agredido a soco e pontapé por Fernando Gouveia e, mais tarde, sujeito a 11 dias de estátua, dos quais, nove dias seguidos de pé e sem dormir, só com um intervalo de oito horas. Além de Gouveia, participaram nessas violências Lemos, Chico Fernandes, Gomes da Silva e Casaca (Nota 3). Quanto a Rogério de Carvalho, detido em 1960, autocriticou-se por ter revelado orgulho ao ter feito «58 horas de estátua», quando antes tinha decidido recusar essa tortura por considerá-la colaboração com a PIDE (Nota 4).
		Num relatório sobre a sua segunda prisão, em 1960, Alcino Ferreira referiu que a PIDE estava então a usar tanto as «amabilidades» como as «violências»; por exemplo, enquanto um Reis Teixeira era o «correcto», o Chico Fernandes era «o bruto». Este detido acrescentou que a «polícia considera e com razão que desmoralizar o preso é meio caminho andado para o fazer falar» e que a PIDE estava a utilizar o que os americanos chamavam «interrogatório seguido»; vários investigadores revezavam-se, insistindo no mesmo ou mesmos pontos, muitas vezes aparentemente insignificantes, para levar os presos a crises de nervos. Quando todos os outros processos se malogravam, a PIDE insistia para que o preso ficasse de pé, mas se este reagisse permitia-lhe que se sentasse, pois o que lhe interessava era o seu esgotamento por falta de sono (Nota 5).
		Nota 1 - José Augusto Seabra, De Exílio em Exílio, Porto, Folio Edições, 2004, pp. 26-30, 37-40 e 44-45; Arquivo dos serviços de coordenação e extinção da PIDE/DGS e da LP, NP 704 e 705, Processo de inquérito aos serviços da PIDE instaurado pelo ministro da Justiça, vol. 5, fl. 891; Arquivo Histórico Militar, António Pinto Soares, TMT, 4.° Juízo, proc. 41/78, pasta 13, arquivo 124.
		Nota 2 - Arquivo dos serviços de coordenação e extinção da PIDE/DGS e da LP, NP 704 e 705, Processo de inquérito aos serviços da PIDE instaurado pelo ministro da Justiça, vol. 6, fls. 1121-1133; vol. 7, fls. 1202, 1236, 1238, 1239, 1264, 1284 e 1289; vol. 9, fls. fl. 1321, 1630, 1638 e 1641.
		Joaquim Jorge Araújo, detido em 1959, 1962 e 1963, relatou a sua segunda prisão, em que, depois de ser violentamente agredido a soco e à coronhada no acto de captura, fora espancado com socos na cara e no estômago pelos agentes Melo, Fernandes, Pinto Ferreira e Coelho da Silva, do Porto. Tinha depois sido submetido à «estátua» durante seis dias e noites, de uma vez, e mais cinco dias e noites, virado para a parede. Além de ser agredido a soco e pontapé nas três primeiras noites, surgira ainda a «novidade» do «cavalo-marinho», com o qual fora espancado pelos agentes Melo, Escaleira e J. Fernandes. Durante uma agressão, apanhara uma pancada na região pulmonar, ficando com a respiração cortada, o que assustara o seu agressor (Escaleira), que lhe metera a cabeça debaixo de água. «Muito bruto», esse agente dissera-lhe que «a gente habitua-se» a infligir maus tratos aos presos, embora lhe custasse muito, porque era «católico» (Nota 1).
		J. A. da Silva Marques, que foi, aliás, companheiro de fuga de Araújo, da prisão da delegação do Porto, contou a sua experiência quando, findo o primeiro interrogatório, em que se recusou a responder às perguntas, quis sentar-se mas não o deixaram. Já de noite, percebeu que aquilo era a «estátua», essa célebre tortura usada sistematicamente pela PIDE e de que tanto ouvira falar. Por volta da terceira noite, começou a ter alucinações e a sentir «os músculos das pernas muitíssimo rijos, ao ponto de quase não poder fazer a mais ligeira flexão». Por volta da quinta noite, ao cabo de muitas hesitações, Silva Marques decidiu finalmente sentar-se no chão e ouviu o chefe de brigada dizer que iria «buscar o «aquecedor» (queria ele dizer o cavalo-marinho)», dando-lhe cinco minutos para reflectir, antes de o «fazerem estoirar». No entanto, ao voltarem, não o espancaram e foi levado para uma cela, onde adormeceu profundamente. «A “estátua” tinha acabado. Ia começar o “isolamento”.» (Nota 2)
		XIII.3.1. Dezassete dias de «sono»: «um novo recorde»
		Ainda em 1965, o membro do CC do PCP Domingos Abrantes foi sujeito à tortura do «sono» durante 11 dias, chegando «a um estado lastimoso». Contou Domingos Abrantes que a grande novidade «foi a “máquina” que, segundo os PIDEs, consultava o cérebro das pessoas», o que parecia anedótico mas tinha efeitos, naquelas circunstâncias, tendo «em conta o estado psicológico do indivíduo que está preso». Todos os dias, um PIDE dava uma explicação «científica» sobre o funcionamento do cérebro e da máquina, preparando-o psicologicamente para a ideia de que nada se poderia esconder à «máquina». Mais tarde Domingos Abrantes percebeu que aquilo «era mesmo tanga» e que não havia nenhuma máquina (Nota 4).
		Um dos presos que mais tempo esteve na tortura do «sono» foi o engenheiro Álvaro Veiga de Oliveira, detido em 20 de Dezembro de 1965, que contou as brutalidades a que foi sujeito (Nota 5). Torturado durante 37 dias, esteve, primeiro, 17 dias na «estátua», só se podendo sentar nos curtos períodos das refeições, enquanto era espancado, «inclusive com um cassetete eléctrico». Depois de o deixarem dormir uma noite, certamente para evitar que morresse, voltou a ser submetido à tortura do «sono» por dois períodos de 10 dias, até que entrou em coma. Ficou «com as orelhas inchadas, o canal auditivo completamente tapado e insensibilizado a ponto de não sentir qualquer dor». Numa ocasião, puseram-lhe a mão num cano de água a ferver, mas nada sentiu, de tão insensível que já estava. O subdirector Sachetti, que disse que os 17 dias de estátua eram um «novo recorde», e o inspector Tinoco apareciam, cerca das 4 da madrugada, «aparentemente vindos de “boites”» (Nota 6).
		Em 1965, começaram a ser presos membros da FAP/CMLP.
		Um deles foi o advogado Joaquim Monteiro Mathias, ao qual a PIDE apreendeu uma pequena cronologia manuscrita relatando os seus primeiros dias de prisão, que aqui se reproduz, para exemplificar como decorriam os «interrogatórios»:
		«24/7, de manhã, fotos e impressões digitais, dia e noite sem dormir [sublinhado no original a vermelho]. 25/7 Assino ao fim da tarde auto negativo quanto à matéria de acusação, dia e noite sem dormir. 26/7, de manhã, a meu pedido, sou observado por médico da PIDE, dia e noite sem dormir. 27/7 [...] vou dormir depois do jantar, por volta das 20 horas, portanto... dia sem dormir. Dia 28/7, durmo também durante uma pequena parte do dia e à tarde começa o esclarecimento da correspondência; durmo de noite. Sábado dia 29/7: de manhã, recomeça a tortura do sono. [...] Dia e noite sem dormir.
		XIII.7.1. As mulheres do Couço
		Maria Rosa Viseu, operária agrícola do Couço, detida em 19 de Janeiro de 1961, foi interrogada pelas duas pides Madalena e Odete, que a encheram de bofetadas. Quando começou a vomitar, tiraram-lhe a cadeira e puseram-na a fazer «estátua», com os braços elevados à altura dos ombros, no meio da sala.
		Nota 1 - PIDE/DGS, pr. 10.886 Cl (2), fl. 14, «Cautivas en la Fotaleza de Caxias a um Mar», in Tempos Nuevo, n.° 7, 17/2/1971.
		XIII.7.2. Tortura com conotações sexuais
		Várias detidas relataram que era habitual, na situação de tensão máxima nos interrogatórios, surgir-lhes o fluxo menstrual e a PIDE não as deixar recorrer a qualquer protecção, obrigando-as a limpá-lo com a própria roupa. Maria Galveias contou que, ao fim de 11 dias e noites, a levaram para o forte de Caxias, «toda a cheirar mal, toda urinada», pois não a deixaram lavar-se (Nota 2). Como se viu e vê, a proibição de recorrer a qualquer higiene, proibindo os presos de se lavarem, foi utilizada sobre os presos para humilhá-los e provocar aquela distanciação relativamente à humanidade
		XIII.8.1. Casos de violência extrema no «marcelismo»
		No estertor do regime, outros homens e mulheres acusados de pertencerem a diversas organizações foram presos e conheceram a crescente selvajaria e a violência da DGS. Terrível foi o caso de José Pedro Soares, preso em 1 de Junho de 1971, que sofreu um total de 21 dias e noites sem poder dormir. A primeira «“sessão” teve a duração ininterrupta de seis dias e seis noites». Sofreu então o primeiro espancamento, de que lhe resultaram ferimentos no nariz e no olho direito. Em seguida, obrigaram-no a permanecer de pé durante três dias e noites consecutivas, e como «se tivesse recusado a comer enquanto fosse torturado, quiseram-lhe introduzir um tubo no estômago para alimentação».
		XIII.8.2. As torturas infligidas a católicos e elementos da extrema-esquerda
	XIV. MORTOS PELA PIDE/DGS EM PORTUGAL
	Antes de 1945, a PVDE foi responsável, directa ou indirectamente por muitas mortes, quer nas suas prisões, vítimas de violências, quer no Tarrafal, colónia penal que até então esteve à sua guarda e ficou, a partir desse ano, sob tutela do Ministério da Justiça. Um panfleto do PCP deu conta das mortes, às mãos da PVDE, entre outros, de Germano Vidigal, Ferreira de Abreu e António José Patuleia. Noutro documento, também do PCP, acrescentava-se aos já referidos António Guerra, no Tarrafal, general Godinho, Almeida Martins, Mário Fernandes, Américo Gomes, Aurélio Dias e Elvira Mendonça.
	A estes acrescente-se os mortos antes de 1945, de Alfredo Ruas, a 7 de Novembro de 1932, numa manifestação em Lisboa, Manuel Vieira Tomé, 387 dirigente do sindicato dos ferroviários, em Abril de 1934, provavelmente devido à tortura pela PVDE, que tentou fazer crer que se tinha suicidado.
	Em 1937, morreram Augusto Martins, um operário torturado pela PVDE (Nota 1), e, no mesmo ano, José Lopes da Silva foi assassinado por essa polícia (Nota 2). Em 10 de Fevereiro de 1938, foi a vez de Rui Ricardo da Silva, outro operário, morrer em consequência das torturas na prisão (Nota 3). Lembre-se ainda que, só no campo de concentração do Tarrafal, morreram 31 presos deportados e que, antes de 1945, muitos outros presos, cujos nomes não ficaram para a posteridade, morreram ou adoeceram gravemente durante o período de cativeiro, como se pode ver no cadastro de presos dessa polícia.
	Em 4 de Julho de 1942, ocorreu o assassinato, com uma rajada de metralhadora, do médico António Ferreira Soares, atribuído pelo PCP ao subinspector da então PVDE António Roquete, que durante anos dirigiria depois a PIDE em Lourenço Marques. O crime teria sido cometido na presença da irmã e da criada, as quais não compareceram ao julgamento em tribunal militar, pelo que o assassino foi absolvido (Nota 4).
	Em 1976, o Diário de Lisboa deu a versão de que o assassinato, no lugar da Ribeira, perto de
		XIV.8.1. Os antecedentes do crime
		Entre diversos estudos sobre o assassinato de Humberto Delgado e da sua secretária, Arajaryr Campos, contam-se um livro espanhol onde se inclui documentação, outrora inacessível, do processo de Espanha (Nota 7), comunicações apresentadas por Alfredo Caldeira e A. Santos Carvalho, coligidas numa obra de 1995 (Nota 8), e uma importante análise, datada de 1977, da autoria de Manuel Garcia e Lourdes Maurício, sobre a operação Outono.
		XIV.8.2. O crime
		Sexta-feira, dia 12, a brigada da PIDE deixou a sede rumo a Espanha, em duas viaturas. Na manhã de 13 de Fevereiro de 1965, os elementos da PIDE atravessaram a fronteira, com destino a Badajoz, acompanhados do chefe do posto dessa polícia, António Semedo.
		XIV.8.3. Relações entre a polícia espanhola e a PIDE
		Em 6 de Maio de 1965, o MNE português enviou ao Ministério do Interior uma carta confidencial e urgente em que se transcrevia a comunicação do Julgado de l.a Instância de Badajoz, segundo a qual um dos dois corpos encontrados em Vila Nueva del Fresno era do general Humberto Delgado (Nota 2). No dia 20, o director da PIDE enviou aos seus postos fronteiriços uma ordem vinda da Interpol para prender quatro nacionais, um dos quais o advogado «Eduardo Castro e Sousa», que, como se sabe, era o falso nome de Ernesto Lopes Ramos, enquanto os outros três não eram mais que António Rosa Casaco, Casimiro Monteiro e Agostinho Tienza (Nota 3).
		Segundo o referido livro, onde foi publicada documentação da investigação realizada em Espanha, a descoberta dos dois cadáveres levou à abertura de um processo de averiguações em Espanha, mas, depois, numa espécie de manto cúmplice, as «ditaduras ibéricas» acabariam, através do silenciamento e obstrução, por ocultar a verdadeira identidade dos assassinos (Nota 4). Como se viu, as autoridades espanholas nunca haviam deixado de colaborar com as portuguesas. Um ano antes, em 8 de Janeiro de 1964, um telegrama cifrado do adido naval da Embaixada de Portugal em Madrid remetido à PIDE dava conta de que o Ministério da Marinha de Espanha tinha «informações indicando que o ex-general Humberto Delgado» se prepararia no princípio do ano, «para desencadear acção revolucionária Península» (Nota 5). Mais tarde, a Seguridad informara a PIDE da reunião realizada em Paris, em Dezembro de 1964, entre Delgado e Castro e Sousa (Lopes Ramos), e transmitira à polícia portuguesa que o general viajava com passaporte diplomático argelino, com o nome de Lorenzo Ibanez, e outro passaporte belga, em nome de Jean Marie Rollebeck (Nota 6). Em 16 de Fevereiro de 1965 — três dias depois do assassinato de Delgado e Arajaryr Campos —, a mesma polícia espanhola dera conta aos seus postos da possível entrada em Espanha do general e, cinco dias depois, da estadia deste em Badajoz (Nota 7).
		Por seu turno, em 1 de Julho desse ano, o SC da PIDE informou o seu director da realização em Lisboa, de uma reunião conjunta, em 7 de Maio anterior, entre esta polícia e o tenente-coronel Eduardo Blanco Rodriguez, do Serviço de Informação da DGS espanhola, onde se concluíra quç «a morte de Humberto Delgado — não identificado — seria devida a uma guerra de grupos políticos adversários».
		XIV.8.4. Do encobrimento do crime ao julgamento do caso Delgado
		Entretanto, a PIDE dava andamento à campanha de contra-informação e, em 10 de Setembro de 1965, Silva Pais, Barbieri Cardoso e Pereira de Carvalho «ordenaram, fraudulentamente, a instrução do processo n.° 2638/65 de averiguações, por morte do general Humberto Delgado. Fizeram «recair a suspeita de comparticipação, na forma de encobrimento, sobre o Dr. Jaime Vilhena de Andrade, advogado do foro portuense, e ainda sobre o arquitecto Artur Andrade, conhecido dirigente da Oposição ao regime político» (Nota 4).
		XIV.8.5. Dúvidas, perplexidades e perguntas por responder
		Para O. Ignatiev, jornalista da Pravda em Lisboa após o 25 de Abril, o general Humberto Delgado estaria a ser vigiado pelos serviços secretos espanhóis, franceses e ingleses, bem como por elementos da extrema-direita e foi morto numa operação conjunta da PIDE e da CIA (Nota 6). Apesar de esta versão estar enquadrada no clima da Guerra Fria que então se vivia, é aqui referida por conter algumas informações também tidas em conta noutros estudos sobre o crime de Badajoz. Entre os elementos da Aginter Press implicados, Ignatiev nomeou Yves Guillou, ou Guérin-Sérac, que teria estado em Roma quando Delgado foi operado.
		Ao mesmo tempo, outros elementos da OAS, Jacques Soustelle, Susini e André Rosfelder, haviam preparado a morte do general, através de um chamado plano Alfa.
		Nota 1 - Manuel Garcia e Lourdes Maurício, op. cit., pp. 358, 262, 385, 387, 389, 411, 414, 415, 440, 441, 463, 465, 467, 471, 528, 581, 585, 587, 596 e 598.
	XV. AS PRISÕES POLÍTICAS
		XV.2.1. Distribuição geográfica das prisões
		Por isso mesmo as prisões se distribuíam geograficamente de modo diverso, consoante as detenções fossem consequência de infracção política ou de emigração.
		421
		Essa razão, porém, não é a única para explicar a diversificação geográfica das prisões, que agora se irá ter em conta, acompanhando o mapa em extratextos (mapa 4). A principal razão é que, embora a sociedade tivesse sido, em Portugal, «homogénea e classista», também foi «dual», como definiu Hermínio Martins, ao proceder a uma análise «ecológica» da estratificação social realizada em 1971 (Nota 1).
		Em Portugal, havia, na época, «dois sistemas de estratificação com base territorial» que eram em parte «o inverso um do outro: norte e sul». Por outro lado, a «parte mais importante do Portugal moderno, do centro e do norte, está contida na faixa litoral ocidental, onde reside o grosso da população urbana, com grau secundário e universitário, grupos de profissões liberais e trabalhadores especializados». Devido a esta dualidade, Hermínio Martins sustentou que, no tipo de sociedade como a portuguesa, «a territorialidade ou antes a localização no centro ou na periferia, em sociedades bipolarizadas em termos de espaço, é o critério das classes ou a base da formação das classes».
		Partindo da tese da existência de um sistema de estratificação com base territorial e ao considerar uma «mistura» de critérios — o ocupacional da força de trabalho e a estrutura de oportunidades de acesso à educação como apontando o fluxo prospectivo de mobilidade social ascensional —, Martins concluiu que os quatro tipos de distritos correspondiam aos «vários países» que Portugal «era» em 1969:
		XV.2.2 Origem social e profissional dos presos
		Mas se a geografia é importante para analisar os «vários países» que Portugal era, também o factor socioprofissional permite caracterizar sobre quem se exercia a repressão política da PIDE/DGS. Diga-se, em primeiro lugar, que a rubrica «trabalhadores», «profissão» que surge recorrentemente no cadastro de presos da PIDE/DGS, não especifica se se trata de trabalhadores do campo ou da cidade, embora se tenha optado aqui por incluí-los no grupo dos «trabalhadores rurais». De qualquer forma, se uma parte desses trabalhadores são efectivamente do campo, outra parte poderá ser da cidade e, neste último caso, se deverá juntar parte do seu número ao do grupo dos operários não qualificados ou outros trabalhadores «menores».
		Assim, como se pode ver através do Gráfico 6 (em extratextos), os trabalhadores especificamente rurais representam, 37,36 % do total de presos. Diga-se porém que, entre estes, uma parte foi presa devido a questões de emigração e outra parte devido a questões políticas, greves ou a actividades contra a segurança do Estado. No entanto, ao somar-se a essa percentagem as referentes a operários (18,7 %), marítimos e pescadores (1,76 %), aprendizes e ajudantes (1,35 %), trabalhadores das obras públicas, dos transportes públicos e das comunicações (3 %) e outros assalariados (0,15 %), constata-se que 62,3 % de todos os presos, ou seja, mais de metade destes, eram trabalhadores manuais indiferenciados das cidades e do campo.
		Ao sector do comércio e dos serviços pertenciam 19,1 % dos presos. Os elementos das Forças Armadas e dos organismos policiais são irrelevantes no número de presos totais, mas o mesmo não se pode dizer dos membros das profissões liberais e intelectuais, dos estudantes e dos profissionais de alto estatuto social, que representam 11,15 % do total de presos: incluiu-se nessa percentagem as referentes aos grupos de artistas (0,26 %), intelectuais e licenciados profissionais liberais (2,66 %), trabalhadores da imprensa, rádio, televisão e cinema (0,4 %) e os estudantes (6,37 %) e administradores, gerentes e proprietários (1,46 %).
		Comparando as profissões dos presos com as dos elementos da PIDE/ /DGS antes de terem ingressado nessa polícia, conclui-se que 30 % dos admitidos tinham sido camponeses ou assalariados agrícolas, operários, pessoal menor ou com outras profissões manuais, enquanto os presos com essas profissões (incluindo os mineiros, ajudantes e aprendizes vários, corticeiros, trabalhadores dos transportes, comunicações e da construção) representavam 62,3 por cento. Por outro lado, enquanto 35 % dos elementos da PIDE/DGS provinha do comércio, dos serviços ou tinha tido profissões técnicas médias, a percentagem de presos com essa profissão relativamente ao total foi de 19,1 por cento.
		Quanto aos estudantes presos, a sua percentagem relativamente ao total dos presos parece ter representado metade, ou seja, pouco mais de 6 %, enquanto 12 % dos elementos da PIDE estudavam antes de ingressarem nessa corporação policial. Mas, como já se disse, no caso dos elementos da PIDE, não se trata de estudantes universitários, mas de elementos que estavam em qualquer grau de ensino, ou seja, jovens que ainda não tinham tido outra profissão anterior. Já entre os presos, muitos eram de facto estudantes universitários. Finalmente, enquanto apenas 1,25 % dos elementos da PIDE/DGS eram licenciados ou tinham uma profissão liberal, a percentagem de presos nessas condições representava 4,78 % do total.
		A discrepância entre o nível social e o grau educacional de alguns presos e de alguns «investigadores» da polícia política não deixou de ter a sua relevância numa sociedade classista como era a portuguesa, durante o Estado Novo. Por último, pode-se verificar, por razões óbvias, que as percentagens referentes a elementos da PIDE/DGS e a presos parecem estar invertidas no caso dos elementos das Forças Armadas e, sobretudo, evidentemente, no das forças policiais.
		XV.2.3. Duração do tempo de prisão
		Veja-se agora o tempo de duração das sentenças habitualmente aplicadas, da duração do tempo de prisão preventiva até ao julgamento e do tempo total de prisão dos presos da PIDE/DGS.
		Diga-se que, no período entre 1945 e 1974, apenas 15 % dos detidos pela PIDE/DGS foram a julgamento. Num universo de cerca de 4000 presos julgados, cerca de 18 % foram condenados a penas até um ano de prisão e mais de metade (53,9 %), sentenciados entre mais de um ano e três anos de cadeia. Apenas 3,6 % foram sentenciados a penas entre os três anos e meio e os seis anos e meio, mas, curiosamente, 5,34 % foram condenados a mais de sete anos. Contribui para esta percentagem alta o facto de haver muitos condenados a mais de 10 anos que ainda se encontravam presos após 1945, e por esse motivo foram aqui contabilizados, embora tenham sido julgados antes dessa data. Finalmente, cerca de 23 % dos indivíduos julgados foram absolvidos, amnistiados ou soltos por diversas razões ou apenas condenados a multas, estando neste caso muitos dos presos por emigração clandestina e, nos últimos anos do regime, os estudantes detidos na rua em manifestações contra o governo.
		Embora não esteja expresso neste quadro (n.° 40), observe-se que cerca de 5,5 % dos presos foram condenados a penas de dois anos de prisão, sentença a partir da qual os presos eram condenados a prisão maior. Ao acrescentar-se a esta percentagem a dos presos condenados a mais de dois anos (18,23 %), verifica-se que um pouco menos de um quarto dos detidos (23,73 %) que chegaram a tribunal foram, em média, condenados a penas de prisão maior. E, para estes, apenas era contabilizada metade da prisão preventiva sofrida, além de que às suas penas era habitualmente acrescido o tempo das medidas de segurança. Mas, o mais interessante, além do facto de os presos serem habitualmente condenados a penas pequenas — se não se tiver em conta as medidas de segurança — é o de a maioria dos presos não chegar a tribunal e de, entre estes, muitos saírem em liberdade.
		428
		XV.3.1. Os campos de concentração: o caso do Tarrafal
		Segundo uma tipologia definida num estudo, os campos — de internamento, concentração ou extermínio — têm cinco tipos de funções. Em primeiro lugar, isolar preventivamente do corpo social os indivíduos suspeitos e prejudiciais; em segundo lugar, punir e corrigir, através de medidas de educação positiva ou negativa, e, em terceiro lugar, aterrorizar a população civil e intimidar a sociedade para a controlar socialmente. A estas funções juntam-se mais duas: aproveitar os internados para mão-de-obra e, finalmente, refundar a sociedade através do saneamento racial ou social, prefigurando o imaginário social totalitário e eliminar lenta ou rapidamente os elementos julgados prejudiciais do ponto de vista social ou racial.
		Recorrendo à tipologia dos campos de Hannah Arendt, dois autores utilizaram as três concepções fundamentais da vida depois da morte — o «Hades», o «Purgatório» e o «Inferno». Os campos dos regimes não totalitários representariam o «Hades», com o objectivo de pôr de parte os elementos indesejáveis (refugiados, colonizados, associais, desempregados). Por seu turno, os campos soviéticos e asiáticos, bem como os de concentração do período nazi, entre 1933 e 1940, constituiriam o «Purgatório», onde o isolamento se combinava com o trabalho forçado e veleidades de reeducação. O Purgatório, como se sabe, leva directamente ao Inferno e, nos campos-«Inferno», tudo era sistematicamente organizado para o rebaixamento moral e físico do ser humano, bem como para a eliminação pura e simples.
		Para esses autores, o campo do Tarrafal, criado em 1936 e definitivamente fechado em 1954 para os presos da metrópole, mas reaberto em 1961 para os presos coloniais, não tinha, evidentemente, qualquer comparação com Auschwitz, onde se realizou o extermínio industrial e planificado de seres humanos. Embora os autores não o digam, consideram que esse campo português se incluía nos qualificados de «Hades», embora com aspectos de «Purgatório». Efectivamente, ao descreverem o Tarrafal, não deixam de mencionar que alguns dos internados, lá mantidos para além do cumprimento das suas penas ou mesmo sem terem sido julgados, aí trabalhavam duramente e aí morreram, preenchendo um objectivo totalmente punitivo, sem qualquer veleidade de lucro económico (Nota 1).
		Nota 1 - Joel Kotek e Pierr Rigoulot, Le siécle des camps, J. C. Lattès, 2000, pp. 15, 25, 33, 34, 39, 45, 247 e 463.
		431
		Por seu turno, o historiador Georges Mosse distinguiu os campos nos regimes totalitários, cuja lógica se resume a que «quem não está conforme ao sentido da história e da natureza deve ser reeducado e mesmo eliminado», dos campos nos regimes autoritários, como foi o caso de Portugal, cuja lógica obedece ao princípio de que «quem não está comigo está contra mim». No caso do salazarismo, o campo foi chamado a preencher duas funções precisas: aterrorizar a população civil, por um lado, e isolar e neutralizar os principais opositores do regime, por outro lado.
		Lembre-se que, criado pelo Diploma n.° 26 539, de 23 de Abril de 1936, o campo do Tarrafal começou a funcionar em Outubro desse ano, recebendo camponeses da revolta dos lacticínios na Madeira, operários da Marinha Grande participantes na greve geral de 18 de Janeiro de 1934, marinheiros da ORA (Organização Revolucionária da Armada), que se haviam revoltado em Setembro de 1936, socialistas, anarcossindicalistas, além de boa parte de membros da direcção do PCP.
		Por esse campo de concentração, que começou por ser um rectângulo de arame farpado com tendas e acabou com grossas paredes construídas pelos próprios prisioneiros, passaram, no primeiro período, mais de 250 pessoas, em 18 levas de prisioneiros, morrendo 32 deles. Além dos trabalhos forçados, os presos eram submetidos a castigos tremendos, como a célebre «frigideira» de cimento — um «forno» durante o dia e um «frigorífico» durante a noite — e a célebre «brigada brava», de trabalhos duríssimos, criada por Henrique de Sá e Seixas, da PVDE, que funcionou, no período ^ «mais duro» do campo, quando este era dirigido pelo capitão João da Silva (Nota 1). Mas a enorme mortalidade do Tarrafal deveu-se sobretudo à falta de assistência médica para as doenças provocadas pelo terrível clima que aí vigorava (Nota 2).
		A maior parte dos detidos metropolitanos do campo do Tarrafal regressaram a Portugal em Fevereiro de 1946, devido à amnistia de 1945, mas, a partir de 1947, voltaram a ser lá encarcerados alguns presos políticos, entre os quais se contaram Guilherme da Costa Carvalho, António Guerra e Francisco Miguel Duarte, o último a sair de lá, em Janeiro de 1954. A partir de 1961, o campo voltou a ser utilizado para encarcerar presos dos movimentos de libertação das colónias africanas.
		XV.3.2. O Aljube
		No final dos anos 40, Lino Lima chegou ao Aljube, ficando numa «sala de pouca luz, com uma só janela, gradeada e coberta por uma rede fina», onde os «bailiques estavam presos à parede por dobradiças colocadas nas cabeceiras que, quando à noite se desciam e assentavam no chão, deixavam ver uma enxerga e duas mantas».
		Nota 1 - «Lida a sentença do julgamento de António Domingues. Apenas mais dez meses de prisão para o “pide” que matou Dias Coelho», in Diário de Notícias, 6/1/1977, p. 7.
		Nota 2 - Maria Guiomar Lima, «Sobreviver ao Tarrafal», in Indy, do jornal O Independente, 17/7/1998, p. 20. Veja-se, a propósito, um relatório de Maio de 1944 do médico do campo, Manuel Baptista dos Reis, segundo o qual, no ano anterior, se tinham registado, em seis meses, 498 casos de paludismo e 1743 dias de febre, embora o campo só fornecesse 0,5 gramas de quinino diário. Esse médico deu ainda conta de que havia então 56 doentes hepáticos, 78 sifilíticos, 35 com doenças pulmonares, seis com úlceras gástricas e 67 com as chamadas «biliosas».
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		XV.3.3. Cadeia da delegação do Porto
		A delegação da PIDE/DGS no Porto estava situada na esquina da Rua do Heroísmo com o Largo Soares dos Reis (Nota 2). Como se viu, a morte nesta delegação de dois presos entre 1957 e 1959, originou, por parte do próprio governo, um inquérito sobre as condições da mesma (Nota 3). Neste ano, Rui Luís Gomes testemunhou que existia, no primeiro andar dessa delegação, um «quarto especial», pegado à instalação sanitária, que tinha no seu interior uma outra instalação sanitária, no qual tinham estado várias presas políticas. O advogado Luís Pedro Veiga testemunhou que a detida Manuela Macário tinha estado encerrada nesse «quarto especial» com dimensões de 2,5 m por 1,90 m (Nota 4).
		Houve também queixas por parte de presos de que alguns tinham sido encarcerados em celas impróprias, que ficavam por baixo do vão da escada, relativamente às quais a PIDE afirmou que já não eram utilizadas, a não ser «em casos absolutamente excepcionais ou por imposição de sanções disciplinares». Ou seja, a sua utilização não foi totalmente desmentida (Nota 5). Diga-se que, por ordem do juiz Tomé, de 28 de Janeiro de 1958, foi realizado um exame directo a «determinados compartimentos prisionais da Subdirectoria do Porto», pelos inspectores dos Serviços Prisionais Joaquim de Seabra Lopes e Nelson Albuquerque Reis. Estes concluíram que «os alojamentos debaixo das escadas» eram «demasiado escuros e acanhados, mesmo para celas disciplinares» (Nota 6).
		Mais tarde, em 1961, Carlos Aboim Inglês referiu-se à prisão da subdirectoria da PIDE do Porto em diversos cartas enviadas a familiares, contando que as celas eram húmidas e frias no Inverno, sem condições higiénicas mínimas, com péssimo arejamento, invadidas pelo fumo do fogão para aquecimento dos guardas.
		XV.3.4. O forte de Caxias
		Em 3 de Março de 1933, Francisco Miguel escreveu uma carta ao director de Caxias onde se queixava das condições prisionais em vigor nessa cadeia, contra o que estipulava a «Organização Prisional» de 1936. Os presos tomavam as refeições nas salas, e, mesmo no Verão, o recreio apenas era permitido de sete em sete dias e a maior parte das vezes não durava mais que 20 ou 30 minutos. Por outro lado, Francisco Miguel denunciou as «casamatas», utilizadas como celas, as agressões com cassetete aos presos e os castigos ilegais em «segredo» (Nota 2).
		No ano seguinte, foi apreendido em Caxias um documento intitulado «A verdade sobre a situação nas prisões», da autoria de Jaime Serra, evadido em Março desse ano. Dizia-se aí que tinha sido posto em vigor, a partir de 1954 (regulamento das prisões privativas da PIDE, de 10 de Julho, assinado por Agostinho Lourenço) «um Regulamento prisional privativo que ignorava e espezinhava a própria legislação fascista estabelecida pela Reforma Prisional» de 1936 (Nota 3).
		Em Janeiro de 1961, outro documento prisional apreendido em Caxias assinalou o agravamento da situação prisional no reduto norte dessa cadeia, onde vários presos vindos do tribunal tinham sido espancados por agentes da PIDE. Dizia-se ainda que o tratamento médico tinha piorado e que a PIDE recusava sistematicamente a hospitalização dos doentes, que permaneciam em salas sobrelotadas com presos saudáveis (Nota 4). Nesse ano, outro documento interno do PCP deu conta de que cerca de 150 camponeses alentejanos tinham sido encerrados nas casamatas inabitáveis de Caxias, onde chovia e faltavam ar, luz e condições higiénicas (Nota 5).
		Depois, durante cerca de três anos, foram realizadas obras no forte que levaram ao esvaziamento do reduto norte e à colocação, em cada sala do reduto sul, de 18 detidos, em salas onde só cabiam 10. Foi isso que denunciou, em 1964, um documento da AI, mencionando ainda as celas solitárias subterrâneas, onde vários detidos tinham sido encerrados. Por exemplo, o detido João dos Santos Baleizão ficou durante 12 dias e 12 noites numa cela de cimento subterrânea, escura e húmida, com três pés de profundidade, quatro de comprimento e cinco de altura, sem qualquer mobília, luz ou janela, com os alimentos dados através da porta .
		Nos anos 60, as novas celas de Caxias, quadrados com quatro metros e meio de lado, tinham, além de uma casa de banho, lavatório e dois beliches com quatro camas, uma mesa, quatro cadeiras e um armário.
		XV.3.5. O forte de Peniche
		Como se viu, o forte de Peniche, dependente da DGSP do Ministério da Justiça a partir de 1945, era o local onde os presos políticos iam cumprir as penas de prisão maior. Jaime Serra contou que, até ao final da década de 40, se vivia em Peniche uma paz podre entre presos e carcereiros, entre os quais grassava a indisciplina.
		Nota 1 - «Situação prisional», in «Documentos para a história da resistência: II», in Século Ilustrado, 24181 [974, pp. 28, 29 e 31.
	XVI. A VIDA QUOTIDIANA NOS CÁRCERES E O COMPORTAMENTO PRISIONAL
	Veja-se agora como decorria a vida prisional propriamente dita, com a abordagem de temas como a disciplina, a saúde e as regras a que estavam submetidos os presos. Lembre-se, por outro lado, como assinalou Pacheco Pereira, que a prisão política em Portugal tinha «muitas características comuns com a vida clandestina: espaço controlado, ausência de privacidade, direcção administrativa da organização da vida», reproduzindo «muito do que era característico da clandestinidade, mas também porque os presos se organizavam entre si clandestinamente», numa organização prisional (Nota 1). Por isso, se analisará, em segundo lugar, a cultura prisional dos presos do PCP, e, mais tarde, dos das organizações de extrema-esquerda, que viviam, aliás, em mundos à parte, em Peniche.
		XVI.2.1. O caso das presas políticas em Caxias
		Em muitos casos, a detenção prolongada «levou a vários estados de neuroses e psicoses» entre os presos, muitos dos quais foram internados em hospitais psiquiátricos «com desarranjos mentais incuráveis». Além de as torturas, do sono, estátua e os espancamentos deixarem traços na saúde dos presos, as condições prisionais, nomeadamente as alimentares, levaram também a muitas doenças do foro intestinal, do fígado e do estômago, bem como às então chamadas doenças neurovegetativas. Por outro lado, um dos aspectos terríveis nas cadeias políticas foi a deficiente e demorada assistência médica, utilizada, segundo uma opinião, «como arma de deterioração, até destruição, e mesmo de chantagem sobre os presos políticos» (Nota 2).
		José Dias Coelho afirmou que, entre as principais vítimas da «atitude desumana e criminosa» dos médicos da PIDE, se contaram as presas políticas, entre as quais mencionou Georgette Ferreira, «que, se fosse tratada a tempo, não precisaria de fazer a operação que a privou, aos 32 anos, da faculdade de ser mãe» (Nota 3). Apropria detida contou, em 1930, ter começado «a ter crises agudas que deram depois origem a hemorragias» e que o médico de Caxias, «o patife do Ruas», «mandou criminosamente» que lhe dessem um saco de água quente. Como tivesse protestado e recebido a solidariedade de outros presos, acabou por ser internada de urgência no Hospital de São José, em 13 de Agosto de 1930, mas regressou a Caxias no mesmo dia (Nota 4).
		Após muitos protestos dos seus companheiros de prisão e da família, deu entrada, em 4 de Outubro, no Hospital de Santo António dos Capuchos.
		XVI.3.1. A luta dos presos e dos seus familiares em Caxias e Peniche
		Os familiares dos presos participaram também em lutas de solidariedade com eles, nomeadamente pela reivindicação de visitas em comum no Natal e na Páscoa. Isso aconteceu, por exemplo, no Natal de 1960, quando mais de 500 pessoas se juntaram, no reduto norte de Caxias, para visitarem os seus familiares presos, mas tiveram a decepção de saber que não lhes seria concedida visita em comum. Em bloco, negaram-se a aceitar a visita no «parlatório», protestando energicamente junto da entrada, sendo empurrados e agredidos por guardas da GNR, de armas apontadas.
		Entretanto os presos gritavam às janelas, cantavam em coro o hino nacional e, depois, recusaram em peso o jantar especial do Natal, pelo que foram quase todos castigados. Por seu lado, as «centenas de famílias que de Lisboa, do Algarve, Couço, Alpiarça, Póvoa de Santa Iria e mais terras do sul e centro do País juntaram com sacrifício o dinheiro para a viagem, dirigiram-se ao palácio da Presidência da República, em frente da [sic] qual desfilaram».
		Este não foi um caso isolado e aconteceu numerosas vezes em Peniche, onde, como se viu, as lutas dos presos contribuíram para melhorar a vida prisional. Uma das primeiras lutas colectivas prisionais ocorreu em 1950, com o objectivo de reivindicar, ao director do presídio, tenente Afonso Neves, melhores condições de alojamentos e alimentação. Numa manhã de Setembro desse ano, os guardas irromperam na caserna 5 para passarem «uma busca brutal», contra a qual os presos protestaram. No dia seguinte, foram todos castigados com 30 dias de «prisão na sala». Contra o castigo ergueram-se todas as salas, onde os presos entraram em greve da fome. Ao sétimo dia de greve, apareceu Orbílio Barbas, da DGSP, que, após ouvir a exposição dos presos, deu-lhes razão e propôs-lhes a feitura de um relatório para ser entregue ao ministro da Justiça, Cavaleiro de Ferreira (Nota 2).
		Em Dezembro de 1963, num período em que o número de presos tinha triplicado — eram então 100 —, desencadeou-se novamente uma luta reivindicando a construção de um novo parlatório e a realização de um inquérito à cadeia realizado por um funcionário superior. Os presos foram reprimidos e responderam com as célebres «gritarias» de Caxias, em que, de três em três horas, se deslocavam à janela, gritando: «Comer, visitas e delegado do Ministério da Justiça.»
		Nota 1 - Arquivo do Tribunal da Boa Hora no IAN/TT, pr. 100/54, Serv. Inv., relatório do julgamento, fl. 60 e segs.; Miguel Medina, Esboços, vol. 1, testemunho de José Vitoriano, pp. 132 e 135.
		Nota 2 - Fernando Miguel Bernardes, Uma Fortaleza da Resistência, pp. 52-57.
		449
		XVI.3.2. A organização prisional dos presos de extrema-esquerda
		Pires Jorge afirmou que 90 % dos presos de Peniche eram então comunistas, ou seja, pertenciam ao PCP, mas Octávio Pato assinalou que, a partir de final de 60, «também apareceram nas cadeias, julgados e condenados, os antifascistas provindos de outras organizações, designadamente de FAP ou do MRPP» ou das colónias. A organização dos presos «marxistas-leninistas» de Peniche emitiu, em 1966, um documento de balanço das actividades desses presos, onde se defendia uma aproximação aos trabalhadores de base do PCP, mas um afastamento relativamente aos detidos democratas liberais (Nota 2).
		Em 14 de Julho de 1970, os presos «marxistas-leninistas» enviaram para o exterior de Peniche uma informação sobre uma greve da fome realizada no início do mês por 20 presos, com os quais se tinham solidarizado presos do MPLA, da FRELIMO, da LUAR, da FAP/CMLP e da 4.a Internacional, bem como alguns dos elementos do PCP, apesar da sabotagem dos «revisionistas». Alguns foram sujeitos a entubamentos à força e Pulido Valente, Rui d’Espiney e Vítor Soares foram transferidos para Caxias em estado grave (Nota 3).
		Essa greve e outras posteriores, levadas a cabo pelos detidos dessa corrente, acabaram por ser triunfantes, pois a partir de então o ambiente da cadeia tornou-se muito mais distendido, sobretudo no 2.° piso do pavilhão B (Nota 4). Como se viu, em Peniche os presos do PCP e os «outros» (coloniais, marxistas-leninistas e elementos da LUAR) estavam alojados em pisos diferentes. Mas o mesmo não acontecia em Caxias, onde os presos não se distinguiam «pela pertença a uma ou outra organização» e todos «eram tratados por igual», conforme contou José Lamego, detido sob a acusação de pertencer ao MRPP (Nota 5).
		XVI.3.3. As fugas das prisões
		Uma forma superior de luta prisional era, sem dúvida, a fuga de uma cadeia, e o certo é que evasões de presos políticos, houve-as desde sempre, pelo menos até 1961, quando, na sequência das ousadas fugas colectivas de Peniche e de Caxias, a PIDE e os Serviços Prisionais colocaram «trancas à porta».
		Nota 1 - PIDE/DGS, pr. 409/47 SR. Acontecimentos de Peniche; Fernando Mestrinho, «Peniche era uma máquina de torturar», in Diário de Lisboa, 27/5/1974, p. 13; Fernando Miguel Bernardes, op. cit., pp. 116 e 117; O Diário, 5/6/1976.
	Nota 5 – MAI-GM, caixa 359, pasta «pessoal».
	459
	XVII. AS MEDIDAS DE SEGURANÇA
		461
		XVII. 1.1. Fixação de residência, expulsão e interdição de saída do país
		XVII.2.1. Divergências entre os ministros do Interior e da Justiça
		XVII.3.1. O caso António Brotas, o primeiro após a legislação de 1956
		XVII.3.2. Dois recursos de Zenha: os casos Humberto Lopes e José Martins
		XVII.3.5. O caso de Fernanda Paiva Tomás
		XVII.3.6. Os últimos casos antes do «fim» das medidas de segurança
	476
	XVIII. OS JULGAMENTOS, OS TRIBUNAIS E A DEFESA DOS PRESOS POLÍTICOS
		XVIII.3.1. O tribunal plenário do Porto nos anos 40
		XVIII.3.3. O julgamento de Henrique Galvão
		XVIII.3.4. Condenada «por convicção» do juiz
		XVIII.3.5. Um magistrado incómodo
		XVIII.3.6. Os julgamentos em meados da década de 50
		XVIII.3.7. O julgamento dos elementos do MUD J
		XVIII.3.8. Dois anos repletos de julgamentos (1959-1960)
		XVIII.3.9. «Enviem-no para o calabouço!»
		XVIII.3.10. Uma nova geração de advogados de defesa em Lisboa
		XVIII.3.11. Repressão a advogados
		XVIII.3.12. Tanto o «instrutório» como o «acusatório» são «dignos de crítica»
		XVIII.3.13. Três livros importantes
		XVIII.3.14. A «Primavera marcelista»
		XIX.1.3. A PIDE vigia Francisco Craveiro Lopes e outros oficiais militares
		XIX. 1.5. Algumas conclusões
		XIX.2.2. O que pensavam alguns oficiais militares da acção informativa da DGS?
		XIX.2.6. A rendição da DGS
	CONCLUSÕES
		Uma polícia criada à imagem da Gestapo e da OVRA?
		523
		PIDE/DGS: um «Estado dentro do Estado»?
		A criação da PIDE: uma operação de cosmética?
		Tribunais plenários independentes ou dóceis à PIDE?
		Que poderes tinha a PIDE?
		Uma polícia profissionalizada de especialistas?
		Quais foram os principais alvos da PIDE nos anos 40 e 50?
		Uma polícia internacional, nos anos de «todas as prisões»?
		Uma polícia de informações?
		530
		Uma polícia eficaz? Informadores e tortura
		Novo endurecimento nos anos 60?
		«Primavera marcelista», na repressão?
		Detenções massivas ou selectivas?
		Para que serviam as prisões políticas?
		Terá o regime ditatorial perdurado graças à sua polícia política?
	OS PRINCIPAIS INSPECTORES E A SUA ASCENSÃO NA PIDE/DGS
	FONTES E BIBLIOGRAFIA




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